terça-feira, 5 de junho de 2012

Preconceito em propaganda: Bombril é palha de aço. Cabelo crespo é outra coisa

Preconceito em propaganda: Bombril é palha de aço. Cabelo crespo é outra coisa


Imagem do google

Meu cabelo é enrolado, cacheado, crespo ou ondulado, dependendo do dia e de quem me olha. Nasci com esse gene. Logo, desde criança, aprendi que ele é um ser único e bem carente, que invariavelmente precisa de atenção: arma com tempo úmido, assenta (de forma bem estranha) com tempo seco, espiga quando venta. Por muitos anos, principalmente durante a minha infância, ele passou preso num elástico e, não suficiente, envolto em uma tiara. Porque, nos anos 80, nem eu, nem minha mãe e nem a indústria de cosméticos tínhamos ainda descoberto a fórmula para valorizar os cabelos com ondas — que cerca de 80% da população brasileira possui, se contarmos todas as misturas étnicas.
Minha mãe penteava diariamente os meus cachos e, para eu não sair de casa como um espantalho, prendia bem preso, de formas variadas, ou fazia uma, duas, até três tranças (duas nas laterais da cabeça, que se uniam em uma terceira, coisa linda). Quando eu criava mais ou menos coragem para ir com ele solto para a escola, não tirava as mãos dele — enrolava de um lado para outro, colocava dentro da camiseta, dividia ao meio, dava nós e… logo prendia de novo. Minha carteira ficava no meio da sala e lembro de uma vez uma amiga ter me avisado, no meio da aula, que o meu cabelo estava cheio de papeizinhos picados que os meninos do fundão jogaram — e do jeito que jogaram, ficaram. Fiquei roxa, e discretamente puxei o meu cabelo de lado, passei as mãos discretamente pelos fios (armando-o ainda mais) para que os papeizinhos caíssem e, sem nem ter passado 50 minutos toda corajosa de cabelos soltos na escola, prendi-o de novo.
Entre estes risinhos e piadinhas, ouvi mais de uma vez, que o meu cabelo era de Bombril. Bombril? Aquela palha de aço dura e áspera, usada para arear panelas e limpar rejuntes? É, parecia que sim. Devo ter contado pra minha mãe chorando em casa, e imagino que ela tenha dito que eu era linda e que o meu cabelo era lindo, que eu tinha que ignorar ou procurar os defeitos do outro para dar o troco à altura (ah, nada como o bullying à moda antiga.).
O tempo passou, e os hormônios, o clima, uns cortes mais ousados e a invenção do leave in ajudaram a valorizar aquele que dizem que é a moldura do rosto. Nunca deixei de me reconhecer com cabelos cacheados. Se fiz uma ou outra escova/chapinha nessa vida, foi porque (como quase todo mundo às vezes tem vontade) queria mudar um pouco. Mas nunca usei este artifício porque queria ficar mais bonita. Aprendi que posso ser bonita assim mesmo, com a rebeldia mais atrelada até aos meus cachos do que a minha personalidade.
Aí, quando a gente pensa que todo este mal-estar ficou lá nos anos 80, vem a Bombril, ciente da associação preconceituosa criada em torno da sua marca, claro, e lança um concurso para descobrir a nova melhor cantora do Brasil no programa do Raul Gil: Mulheres que Brilham, cujo logo é a sombra de uma mulher de perfil que tem cabelo crespo, e o slogan é “O concurso de talentos da Bombril no programa Raul Gil que vai fazer o maior sucesso em 2012″. Olha, vou te dizer que o concurso mal começou e ele já está bombando, viu? Um exemplo do que anda circulando pelas redes sociais:

Os criadores da arte que ilustra o concurso de talentos realmente não pensaram ou nunca souberam de histórias parecidas como esta que eu acabei de contar, e que devem existir aos montes pelo País, né? Será que a culpa foi do deadline apertado, dado pelo sr. Raul Gil? Será que acreditaram ser esta umaótima oportunidade para pôr fim nesta associação e dar um novo significado para 

o cabelo crespo
 a Bombril? Já imagino até a reunião de brainstorm para criação do concurso: “Cara, a gente pode dizer que as mulheres de cabelos crespos também podem brilhar como as panelas que são areadas com Bombril!” GÊNIOS! Só que não.
Já tá bom de reforçar estereótipos, pessoal. Não queremos mais crianças tristes porque o coleguinha maldosinho disse que o seu cabelo é pichaim. O pensamento maniqueísta, que divide os tipos de cabelo em apenas dois — o bom (liso) e o ruim (crespo) — dá sono (e nenhuma vontade de brincar de cantar no concurso).
Diversidade é bom, e todo mundo gosta.

No Jezebel

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1 comentários:

Anônimo disse...

tô indignada. vc viu o que eles postaram como explicação no facebook?

"A mulher brasileira pode ser negra, ter cabelos lisos e traços mais suaves; pode ser branca com traços mais marcantes e cabelos crespos".

"traços mais suaves" = branca OU negra com traços de branco?

sério, isso me dá enjoo até.