segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Enquanto você, homofóbico, destila ódio: Casal homossexual dá abrigo e amor de mãe a menino deficiente

Enquanto você, homofóbico, destila ódio: Casal homossexual dá abrigo e amor de mãe a menino deficiente

casal homossexual José Diogo dos Santos Rosa, criança, Wellington da Silva, Léo

Graças ao empenho dos pais, menino tem demonstrado progressos
José Diogo dos Santos Rosa, de 6 anos, não tem a menor ideia sobre o significado do Dia da Criança. Ele não anda, se alimenta somente por sonda e enxerga imagens distorcidas. Também tem paralisia cerebral parcial. Mas ouve perfeitamente, o que lhe permite agitar braços e pernas na tentativa de acompanhar o ritmo da música no colo do cabeleireiro Francisco Wellington da Silva, de 42 anos. Ex-travesti, Léo, como é chamado, assumiu o papel de “mãe” de José Diogo. E briga na Justiça para conseguir a guarda definitiva do menino.

Léo divide os cuidados exigidos por José Diogo com o mecânico William Neri Ferreira, de 42 anos. Os dois estão juntos há 17 anos e planejam legalizar a união homoafetiva assim que conseguirem adotar a criança. A expectativa é a de que a decisão da Vara da Infância e da Juventude saia até o fim do ano. Se for favorável ao casal, representará a primeira sentença desse tipo em Minas.

Nos braços

A família vive no miolo da Pedreira Prado Lopes, no Noroeste de BH. De segunda a sexta-feira, os vizinhos acompanham Léo descendo os becos carregando um carrinho no braço esquerdo e José Diogo no outro, até a escola municipal. É lá que o menino tem a chance de conviver com outras crianças e, por isso, no caminho até o colégio emite grunhidos de satisfação.

Quem vê as limitações do garotinho não imagina que ele nasceu saudável, apesar de prematuro. Mas, em 9 de dezembro de 2006, aos cinco meses de idade, deu entrada no Hospital das Clínicas com vários ferimentos e fraturas. Léo acredita que a criança tenha sido espancada pelo pai biológico, porque tinha o costume de chorar muito, principalmente à noite.

Acaso

“O pai desempregado e a mãe, prostituta, não davam conta ou não queriam assumir a criação do filho e transformaram a existência da criança em um martírio”, diz o cabeleireiro. Segundo ele, os pais biológicos estão vivos e se separaram. O paradeiro deles é ignorado.

Léo se tornou personagem dessa história depois de, sensibilizado com o fato de o garoto não tomar banho nem se alimentar direito, aceitar tomar conta do bebê por algum tempo. “Na época, eu era travesti e passava o dia inteiro vestido de mulher, com cabelos longos e roupas caras. De repente, tudo mudou. Cuidar daquela criança parecia uma missão”, diz. “Passei a carregá-la por todos os lugares. Assumi o papel de mãe”.

União vigiada por olhares preconceituosos

Apesar da aprovação de vários parentes, a união do mecânico com o cabelereiro sempre foi marcada por olhares preconceituosos. Eles admitem que o preconceito dificulta muito a vida em comum. "Eu deixei de ser travesti há dois anos por causa do Diogo", recorda Francisco Wellington.

"Eu saia, ou ia levar o menino para a escola, e percebia que as pessoas ficavam me olhando e comentando sobre aquele homem vestido de mulher, com uma criança excepcional no colo. Eu me esforçava para parecer mulher. Cheguei a colocar uma tatuagem com o nome do William no meu pescoço, para tentar disfarçar o meu "gogó" (pomo de Adão) que é muito destacado. Tudo pelo desejo de parecer mulher".

Atualmente o cabelereiro e o mecânico não imaginam outra vida sem a presença de Diogo, segundo afirmam. Os projetos de viagens e de passeios de fins de semana são feitos com a intenção de que a criança experimente a sensação de viver em lugares diferentes. O cabelereiro acredita que esses momentos compensam dias e dias de dificuldades para cuidar do menino.

Lembra que, "um dia, quando levei o Diogo a um pediatra, o médico ficou assustado ao ver que eu era um travesti que carregava no colo uma criança deficiente. O médico perguntou porque eu decidira cuidar de uma criança com tantos problemas, quando poderia assumir um menino normal. Respondi que aquela criança havia caído de paraquedas na minha vida. E eu não posso fugir dessa responsabilidade".
Criança querida pela família

"A minha mãe gosta do Diogo como se fosse um de seus netos naturais", afirmou o mecânico William Ferreira Neri. "Meus irmãos e meus amigos também gostam da criança e ninguém tem uma palavra contra a minha vida com outro homem. Tive várias namoradas quando era mais novo, mas decidi levar uma vida em comum com o Francisco desde que o conheci. Nenhuma das mulheres com quem vivi me tratou tão bem quanto ele. E hoje, 17 anos depois que comecei essa relação, minha vida é essa mesma e não quero mudar nada. Parece que o Diogo entrou na nossa vida para consolidar a nossa relação, e não consigo entender a minha vida sem a presença dessa criança que, nos fins de semana, vive mais no meu colo do que com o Francisco".



Alegria e agitação quando o pai volta do trabalho
O aguçado sentido de audição do menino proporciona um dos melhores momentos no dia-a-dia da casa do aglomerado da Pedreira Prado Lopes. No fim da tarde, quando o mecânico chega após mais um dia de trabalho, Diogo escuta seus passos cada vez mais próximos e começa a agitar desordenadamente os braços e as pernas de contentamento, tentando, inutilmente, balbuciar algumas palavras até que o mecânico tire-o do carrinho e coloque-o no colo. É quando ele demonstra toda a alegria pela presença física de seu "pai".

É com o rendimento de William, que recebe pouco mais de um salário mínimo como mecânico, e com o que ganha Francisco Wellington em um salão de cabelereiro no centro da capital, além de um rendimento de R$ 140 de benefício social, que os dois sustentam a despesa diária com a criança.

William conta: "apesar do pouco dinheiro, estamos conseguindo manter tratamentos de recuperação do Diogo com um plano de saúde que permite consultas médicas e alguns tratamentos. Difícil é manter os tratamentos médicos com pediatras, oftalmologistas, fisioterapeutas e ortopedistas. Só de fraldas especiais são oito pacotes por mês, sem contar a alimentação e o leite. Estamos precisando comprar um motor para colocar um pequeno elevador aqui em casa, para facilitar o transporte do Diogo para o quarto, que fica na parte de cima da casa. Mas ainda não deu para juntar o dinheiro necessário".

Francisco Wellington lembra que "os planos para ingressar na Justiça com um processo de legalização do casamento homoafetivo não puderam ainda ser realizados por causa do pouco dinheiro que sobra todo mês, e a prioridade é o menino. Esse esforço foi, em parte, recompensado. Diogo era uma criança que tinha os pés e mãos atrofiados, e que não conseguia soltar nem um grunhido pela garganta. Hoje ele movimenta os dedos das mãos e dos pés, e se manifesta, por meio de gritos e choro, o que está sentindo. Ele está recuperando, aos poucos, parte da visão. Vem daí a nossa esperança de que o menino possa, com o tempo, melhorar ainda mais as suas condições físicas".

Chances de adoção definitiva

advogada do casal homossexual que tenta adotar criança deficiente José Diogo dos Santos RosaAdvogada Maria Cristina Pellegrino, diz que há esperança para casal conseguir adoção definitiva do garoto
A advogada Maria Cristina Pellegrino já trabalhou em processos que envolvem casos de adoções e acredita que o fato de o casal já possuir um termo de guarda provisória de José Diogo poderá favorecer no processo de adoção definitiva. Ela acrescenta: "são cada vez mais recorrentes os processos judiciais que envolvem a solicitação, por casais homoafetivos, com o propósito de adotarem crianças.

"Para uma adoção conjunta, a lei impõe aos adotantes a condição de casados civilmente, ou que mantenham união estável. Comprovada a estabilidade da família, o Judiciário não poderá criar ímpedimentos para impedir a adoção em razão da raça, religião ou preferência sexual. Mas, devemos lembrar que se efetivada a adoção em favor de Willian e Francisco, automaticamente haverá o reconhecimento da união estável, se já não houver sido declarada, já que é requisito legal para o deferimento da medida em conjunto."

"Caso a adoção sobrevenha em favor de apenas um dos requerentes, apesar de todo os laços existentes com o outro, a criança não poderá contar com os mesmos direitos daqueles que recebem auxílio de ambos os adotantes, ainda que o casal responda, solidariamente, pela sua formação. Ou seja, ao contrário das crianças adotadas por casais “convencionais”, Diogo não contará como os mesmos direitos hereditários, previdenciários e de alimentos que possam decorrer daquela relação", explicou a advogada.

A história de Diogo, juntamente com outros casos semelhantes, que se encontram em tribunais de diversos estados brasileiros, devem ser vistos como um incentivo para que casais homoafetivos não desistam de adotarem filhos, de terem uma família. Os preconceitos quanto a esse tipo de adoção devem ser superados, visto que estudos não mostram prejuízos aos adotados, devendo se levar em consideração, também, que milhares de crianças estão abandonadas em abrigos e que elas poderiam ter um ambiente familiar cercado de amor, carinho e boa educação, com casais homoafetivos que desejam adotar um filho mas que são impedidos pela burocracia e dogmatização do direito".

Hoje em Dia procurou contato com a Vara Cível da Infância e da Juventude, para publicar opinião de juízes ou assistente sociais judiciárias. A assessoria do Fórum Lafaiete informou que ninguém iria se pronunciar a respeito.

Número de adoções por casais homossexuais ainda desconhecidos


Ramon Calixto Teixeira, coordenador do Centro de Referência Pelos Direitos e Cidadania LGBT de Minas Gerais, disse que não existem, no Estado ou no país, pesquisas com números sobre adoções de crianças por casais homossexuais. Ele lembrou que no Brasil são estimados em 70 mil os relatos de uniões estáveis de casais homossexuais, segundo o IBGE, mas, a não ser pelos casos já noticiados pela imprensa, não são conhecidos levantamentos de informações sobre o tema.

Para ele, esse novo modelo de família está ganhando amplitude e solidificando a união de casais homossexuais. Em Minas um caso que obteve grande destaque aconteceu após a morte da cantora Cássia Eller, ocorrida em dezembro de 2001.

Um processo judicial decidiu que o filho da artista deveria ser criado por uma mulher com quem a cantora mantinha uma relação homoafetiva, e não por familiares próximos. Esse caso foi o primeiro envolvendo casos de união homossexual a merecer julgamento pela Justiça, no Estado.

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