segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brasil não possui legislação específica para a publicidade infantil.A falta de regras para a área explica os abusos como o do SBT

Brasil não possui legislação específica para a publicidade infantil.A falta de regras para a área explica os abusos como o do SBT 




Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos, que há muito tempo superaram a polêmica a respeito da publicidade de produtos infantis aprovando uma legislação específica, o Brasil ainda patina sobre o tema. Segundo os especialistas, a ausência de regulamentação não só permite o abuso da propaganda voltada para crianças, como  também dá margem para qualquer ação dos órgãos de defesa do consumidor ser questionada pelas empresas denunciadas. Sem um balisamento mínimo, as denúncias de abusos acabam indo parar na Justiça, cujas decisões sobre o tema estão longe de um consenso.


A falta de regras para a área explica, por exemplo, a recente polêmica envolvendo a novela Carrossel, sucesso de audiência do SBT. Para o Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) de São Paulo, o formato comercial presente na trama contraria princípios e as normas do CDC (Código de Defesa do Consumidor). Recentemente, o órgão pediu à emissora que parasse com a estratégia de inserir ações de merchandising dentro da novela mas não conseguiu firmar um acordo. A emissora não abriu mão da veiculação do marketing envolvendo personagens adultos e infantis da trama.

Para os que defendem a regulamentação o problema é que, ao contrário de suecos, austríacos, australianos, belgas, alemães, norte-americanos, canadenses ou ingleses, que contam com uma regulamentação que delimita as ações das empresas, por aqui a proposta de lei apresentada há 11 anos na Câmara dos Deputados até hoje não foi votada. Segundo o autor do projeto 5.921/2001, que quer a proibição da publicidade infantil no país, deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), o próprio Congresso evitou que a proposta fosse votada ao longo do tempo. Segundo ele, parlamentares  manobraram para o país continuar a não ter regras.

"A regulamentação [da publicidade voltada para o público infantil] é uma das mais importantes para o Brasil, mas o Congresso Nacional, o Governo e a sociedade não tiveram coragem de enfrentar e resolver", afirma o parlamentar, que atualmente está licenciado da Câmara.

Segundo Hauly, uma das estratégias do lobby contrário à regulamentação foi obrigar o projeto a passar por quatro comissões, ao invés de duas. Ele afima que, para ser votada pelo plenário da Câmara bastaria a matéria passar pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Constituição e Justiça."O projeto acabou indo para mais duas comissões que não estavam previstas inicialmente." Conforme Hauly, embora não houvesse necessidade, alguns parlamentares requereram que sua proposta fosse analisada também pelas comissões de Ciência e Tecnologia e Industria e Comércio.

Já deliberada pela Ciência e Tecnologia há dois anos, a proposta ainda trâmita na Comissão de Indústria e Comércio, sem previsão para ser votada. "Não existe uma ordem para a deliberação da matéria nas comissões, o que pode existir para que a votação aconteça é uma pressão popular para que o PL seja analisado", diz Hauly.

Segundo o assessor chefe do Procon de São Paulo, Renan Ferraciolli, a ausência de uma legislação dificulta o trabalho do Procon e de outros órgãos de defesa do consumidor. "Para nós, que atuamos na defesa do consumidor, a Constituição, o ECA ( Estatuto da Criança e Adolescente) e o CDC nos amparam quando julgamos que não é legítima determinada veiculação da publicidade destinada ao público infantil. Todavia, trata-se de um conflito que só é resolvido hoje perante o poder judiciário, enquanto não sobrevem uma legislação que claramente defina isso."

Ferraciolli informa que o Procon considera inadequado qualquer comunicação direcionada ao público infantil, pois "a criança não tem capacidade de julgamento para saber se aquilo é publicidade ou não". Segundo ele, no caso da novela Carrossel, a vulnerabilidade da criança fica ainda mais exposta porque a ação de marketing está inserida num contexto ficcional ."Nossa posição é de que isso não seria razoável nos termos do que o CDC dispõe em relação à comunicação publicitária".

"Tentamos a linha do diálogo com a emissora, mas até o momento não tivemos uma finalização positiva quanto a não exploração dessa modalidade de comunicação publicitária", lamenta Ferraciolli. "A investigação continua em curso, e se nada mudar a emissora estará sujeita às penalidades previstas no CDC, que pode ser a multa (que pode chegar a R$ 6 milhões), a veiculação de uma contra propaganda, ou até mesmo a propositura de uma ação judicial", afirma.

Para o representante do Procon, não há um prazo determinado para órgão tomar alguma medida. "Temos a intenção de encerrar a apuração o quanto antes, afinal a novela está no ar com essas ações e, consequentemente, o prejuízo ao consumidor vai se perpertuando." Ele informa que uma "quantidade robusta de material" está sendo reunida pelo órgão. " A adoação de qualquer medida deve ser delineada da forma mais perfeita possível para evitar qualquer revés no judiciário", diz.

O monitoramento da novela do SBT vem sendo realizado em parceria com o Instituto Alana, organização não governamental que atua na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Segundo a advogada da entidade, Ekaterine Karageorgiadis, denúncias recebidas através das redes sociais e do próprio site do Instituto fizeram com que eles passassem a monitorar as inserções de merchandising na novela Carrossel. Segundo Ekaterine são analisados em quais momentos da trama são incorporados o merchandising e quem são os anunciantes.

A advogada reforça a opinião que o merchandisings dirigido às crianças é abusivo, pois usa-se um contexto para comercializar o produto, com personagens mirins e adultos, num discurso direcionado. "Em uma das cenas de “Carrossel”, a professora Helena (personagem vivido pela atriz Rosane Mulholland) surgiu ao lado de um médico (ficcional) falando sobre o chocolate na vida das crianças. O médico fala da importância em comer chocolate, e em seguida aparece o merchandising da marca "Cacau Show" e as personagens entrando na loja que é idêntica a uma loja real da anunciante", explica Ekaterine.

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