domingo, 9 de dezembro de 2012

Homofobia e desigualdade social

Homofobia e desigualdade social

Rafael Dias Toitio - Brasil de Fato

O mito de que vivemos em uma democracia plena se desfaz sempre que é realizada uma pesquisa a respeito da situação de algum grupo social subalterno. O caso do grupo formado por travestis, lésbicas, gays, transexuais, transgêneros e bissexuais (LGBTs) não é diferente. Pelo contrário. A concepção dominante de que a heterossexualidade é uma característica natural – e não socialmente construída – sustenta a desigualdade político-cultural existente entre os heterossexuais e os não-conformados sexualmente.                               
Isso se reflete, concretamente, nas diversas formas de discriminação e preconceito às LGBTs nas diferentes esferas de convívio social (família, trabalho, escola etc.). As formas mais truculentas de opressão resultam, muitas vezes, em morte e assassinatos, num quesito em que o Brasil é um recordista. Pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) revelou que, em 2011, um homossexual foi brutalmente assassinado a cada 33 horas no país, resultando ao todo em 266 homicídios. Já no primeiro semestre de 2012, foram 165 assassinatos, uma morte a cada 26 horas.       
Tais dados atribuíram ao Brasil o título de país mais homofóbico do mundo. Aqui cabem duas considerações. Primeiro, o título se sustenta apenas quando comparamos as nossas estatísticas com as de outros países que também fazem esse levantamento, uma vez que muitos países sequer reconhecem formalmente a homossexualidade e a travestilidade. Em segundo lugar, os dados levantados pelo GGB são retirados sobretudo de notícias de jornais e dados policiais, o que não abrange os assassinatos que não são divulgados pela mídia nem denunciados aos órgãos policiais e jurídicos. Os números, nesse sentido, podem ser muito maiores.    
De todo modo, é importante apontar que, durante os últimos anos, se multiplicou o número de pesquisas sobre as LGBTs e a homofobia no Brasil. Importantes iniciativas promovidas por fundações e centros de pesquisa, programas de pós-graduação, governo e ONGs. Contudo, falta ainda uma pesquisa mais ampla e representativa de cada estado que nos ofereça o perfil socioeconômico das LGBTs brasileiras. Uma investigação veiculada pelo Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Igualdade no trabalho: um desafio contínuo, de 2011, mostrou, por exemplo, que os trabalhadores e trabalhadoras homossexuais ganham um salário de 3% a 30% menor do que os trabalhadores e trabalhadoras heterossexuais, além de enfrentarem barreiras no acesso ao emprego na maioria dos países.    
Isso aponta que a desigualdade não é apenas política e cultural, mas pode ser também econômica. Além disso, cabe olhar para as LGBTs das classes populares, que são as mais vulneráveis às formas de preconceito e opressão. Uma pessoa LGBT das classes ricas tem, em geral, maior possibilidade de encontrar espaços de sociabilidade onde possa exercer sua sexualidade sem grande repressão, já que o dinheiro lhe dá acesso à segurança e ao silêncio de pessoas preconceituosas. Na outra ponta, as LGBTs das camadas populares estão mais propensas às práticas de violência, preconceito e discriminação, inclusive por policiais. Um levantamento feito, em 2009, pela ONG Conexão G, que tem sede no Complexo da Maré na cidade do Rio de Janeiro, revelou que todos os dias pelo menos um homossexual é agredido nas comunidades carentes cariocas. E, como se isso não bastasse, tais práticas de violência homofóbica, cujo “tom” é dado pelas desigualdades sociais de classe, permanecem em geral no anonimato.    
É evidente que as LGBTs de todas as classes estão vulneráveis a constrangimentos morais e físicos e a assassinatos. Contudo, em um país onde a desigualdade social e econômica fundamenta sua estrutura política e social, avançar nas investigações sobre a violência homofóbica significa, entre outros elementos, aprofundar a forma como a opressão se dá nas diferentes classes. O que nos levaria necessariamente a considerar também a questão racial e as especificidades da população negra, haja vista que as relações de classe e de “raça” no Brasil encontram-se imbricadas. Isso ajudaria na fundamentação de políticas de combate à homofobia, seja na formulação de políticas públicas, seja na elaboração das estratégias traçadas pelos grupos e militantes do movimento LGBT.      
É importante apontar que a ideia de homofobia está muito relacionada à homossexualidade masculina e que, por isso, o movimento tem utilizado também as expressões transfobia, lesbofobia e bifobia.

Rafael Dias Toitio é doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp 

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