segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

‘Só quem tem voto cassa voto’, diz jurista

‘Só quem tem voto cassa voto’, diz jurista

Última Instância


Por Felipe Amorim
“Nesse sentido, a Constituição é absolutamente clara: só quem tem voto cassa voto”, diz o jurista Luiz Moreira. No STF (Supremo Tribunal Federal), entretanto, o cenário é outro: o empate em 4 votos a 4 coloca sobre o decano Celso de Mello a incumbência de encerrar a questão e decidir se os deputados federais condenados pelo julgamento do mensalão terão seus mandatos cassados automaticamente pelo Judiciário, ou se quem tem a última palavra sobre os parlamentares é a própria Casa Legislativa.
Após quatro meses de um julgamento marcado por discussões sobre fatos, narrativas, provas e indícios, a Suprema Corte volta a debater uma questão essencialmente constitucional. Apenas a três dias do recesso forense, e na iminência da conclusão de um dos processos mais complicados e longos que já passaram pelo Tribunal, os nove ministros que restaram no plenário — já que o recém empossado Teori Zavascki não participa da análise da Ação Penal 470 — tentam resolver um conflito explícito entre dois dispositivos da Carta Magna.
Por um lado, o texto constitucional dispõe que uma condenação penal leva diretamente à perda dos direitos políticos. E, como o exercício do cargo político é a manifestação mais plena dos direitos políticos de um cidadão, deduz-se que o mandato parlamentar deveria ser automaticamente extinto com a condenação.
No entanto, a Constituição, em seu artigo 55, estabelece uma exceção, uma regra clara na qual ressalva que a cassação deve necessariamente passar pela Casa Legislativa que deu posse ao parlamentar. Para o jurista Luiz Moreira, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), cabe exclusivamente à Câmara e ao Senado revogar o mandato. Do contrário, é dar um golpe na democracia, que traz consigo garantias para o seu exercício. “O que sai fragilizado é o voto”, diz.
“É a progressiva relativização do voto. O voto cada vez vale menos no Brasil”, continua Moreira, para quem o Judiciário, em alguns casos, está se furtando da sua missão republicana e invadindo prerrogativas do Legislativo e do Executivo,atuando como uma espécie de Poder Moderador. Para ele, se o mandato parlamentar não for considerado como algo sublime na estrutura jurídica brasileiro, “aquele artigo que diz que todo o poder emana do povo” sai prejudicado.
Para o diretor do curso de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Oscar Vilhena, ambas as posições são igualmente defensáveis. “Não vejo crise institucional entre os Poderes”, afirma. Em casos extremos de antinomia — conflito entre duas normas jurídicas — é o próprio STF quem deve resolver o impasse.
Celso de Mello
Nas sessões anteriores, a Suprema Corte assistiu a um debate fortemente polarizado entre os membros do Tribunal. De um lado, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio compraram a tese do relator e presidente Joaquim Barbosa, defendendo a cassação automática. O contraponto foi feito pelo revisor Ricardo Lewandowski, seguido por Dias Toffoli e pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, a atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Para estes, o Legislativo é soberano para decidir sobre a retirado dos mandatos.
Dessa forma, a decisão ficou nas mãos do decano Celso de Mello, o qual, hospitalizado em função de uma febre, teve que se ausentar das últimas duas sessões do julgamento. Com previsão para voltar ao plenário nesta segunda-feira (17/12) — data em que pode chegar ao fim o julgamento do mensalão —, o ministro já deu indícios, nos debates anteriores, de que deverá seguir a tese do relator e optar pela cassação automática dos mandatos.
Tido anteriormente como um ministro garantista, nos mais de 20 anos em que ocupou um assento no Supremo, Celso de Mello já adotou parecer contrário ao que deverá votar. Em maio 1995, ele acatou um recurso impetrado por um vereador paulista que questionava a cassação automática de seu mandato após condenação criminal.
Na votação apertada, optou por preservar o mandato parlamentar e formou maioria junto com os ministros Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Carlos Velloso, Ilmar Galvão e Francisco Rezek. Ficaram vencidos os ministros Maurício Corrêa, Octávio Gallotti, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio Mello, que adotou posição idêntica no julgamento do mensalão.
Em seu voto, o decano lembrou que o vereador só poderia ser afastado após ato da mesa legislativa. “O congressista, enquanto perdurar o seu mandato, só poderá ser deste excepcionalmente privado, em ocorrendo condenação penal transitada em julgado, por efeito exclusivo de deliberação tomada pelo voto secreto e pela maioria dos membros de sua própria Casa Legislativa”, argumentou, à época.
“Se o ministro mudar de voto, significa que o Supremo passa a dizer que tudo pode”, comenta Luiz Moreira. E continua: “é a era do realismo jurídico; corrente segundo a qual a Constituição é aquilo que o STF decide”.
Para Vilhena, no entanto, não há problemas se o magistrado trocar de posicionamento. “O juiz tem todo o direito de mudar de voto. O importante é justificar”, acrescenta.

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