sábado, 16 de março de 2013

O que você tem a ver com a gordura alheia?

O que você tem a ver com a gordura alheia?

Cem Homens

Já relatei aqui alguns causos de xingamento que sofri por ser gorda.  É muito chato, inconveniente e desnecessário. No entanto, o que realmente me incomoda é quando esse comportamento vem fantasiado de “preocupação com a saúde”.
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Eu sei que, de fato, algumas pessoas querem me ver bem e feliz. Mas e quando é um colega de trabalho com quem você não tem a menor intimidade que vem te falar algo? Ou aquela pessoa que você não encontra há dez anos – e assim que ela te vê, fala: “nossa, você engordou! conheço uma médica/dieta/simpatia ótima”?
Criou-se no imaginário coletivo a ideia de que todo gordo é doente e todo magro é saudável. Não é verdade. Minha avó mora num hospital há um ano e meio. Todas as vezes que me contam que algum jovem morreu subitamente por lá, faço questão de perguntar se era gordo. A maioria não é. Mas, se fossem, já consigo imaginar a cara dos conhecidos dizendo: “é uma pena, mas ele se descuidou, né?”, Na cabeça das pessoas, “cuidar-se” é ser magro.
Cuidar-se é cuidar do que se come, sim, mas é também fazer exercícios, evitar o cigarro, beber pouco, ter um trabalho que não lhe consuma… há tantas variáveis! E só de olhar pra um gordo você não consegue identificar se ele “se cuida”.
Ainda que ele decidisse não “se cuidar”, o problema é dele. Só dele. Mesmo. É a vida dele que ele põe em risco. Pessoas que bebem e dirigem, por exemplo, ameaçam a integridade física alheia. Quem fuma, também. Mas você não vê as pessoas apontando o dedo umas pras outras assim que acendem um cigarro.
Evidentemente alguns gordos (e magros) têm problemas de saúde ou simplesmente querem dar uma emagrecida. Se você de fato está preocupado com o bem estar de outra pessoa, é bom se ligar no seguinte:
1) Qual sua relação com a pessoa? Como disse antes, é muito chato alguém com quem não temos a menor intimidade vir dizer como devemos nos alimentar, o tanto que devemos nos exercitar, etc, etc. Você não pode apontar “defeitos” na vida do outro caso você não seja alguém próximo, como familiares, parceiros, amigos íntimos.
2) O gordo não é burro. Ok, passou na fase 1? É bem próximo da pessoa com quem você está preocupado? Ótimo. Tenha em mente que é bem provável que o gordo teve acesso às mesmas informações que você. Logo, você não precisa ensiná-lo nada, adotar tom paternalista e condescendente. Você não é mais esperto porque é magro.
3) Dê uma força (e de verdade, não só o blá blá blá). Já aconteceu comigo – e provavelmente com você: pessoa tenta mudar a alimentação. Quando chega em casa, tem um montão de guloseima na geladeira. Como decidir pela alface quando tem brigadeiro de colher à disposição? Impossível. O mesmo vale para convites de rodízio de pizza, comida japonesa, churrasco, ou qualquer outra coisa.
Se você de fato quer a saúde de uma pessoa, mas ela não tem grana pra pagar a academia, considere fazê-lo (lembre-se: a pessoa que você está ajudando é bem próxima). Vá junto ao médico. Procure indicações de nutricionistas bacanas. Saia pra caminhar/correr/andar de bicicleta com a pessoa.
4) Aliás, esqueça o blá blá blá. Se a pessoa admitiu que é melhor mudar certos hábitos e está tentando fazer reeducação alimentar, você não deve ficar apontando cada vez que ela abrir um chocolate. A não ser que ela esteja realmente correndo risco de vida, ela é 100% responsável pelos próprios atos. É bem provável que outras pessoas já estejam enchendo o saco e que ela mesma tenha plena consciência de que seria melhor não “cair em tentação”, mas as consequências serão sofridas por ela. Ela decide.
5) Deixe que a iniciativa seja do outro. Você pode conversar, mas espere o momento da pessoa. Não force a barra. Claro que se você é íntimo e desconfia de que a pessoa tenha um transtorno alimentar, a coisa muda de figura.
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Eu sei que pra grande parte das pessoas é muito difícil imaginar que o outro não quer seus conselhos ou ser como você. Outro dia li o texto de uma ex-gorda em que ela falava quão horrorosa era a vida dela antes do emagrecimento (pior gordofóbico é ex-gordo, disparado. um dia escrevo sobre isso). 
A experiência dela foi essa. Ela acha que tudo de ruim que lhe aconteceu foi por causa do peso. Nem todo mundo sente igual. Eu sou gorda e já fui uns 40 quilos mais magra – e não era mais feliz na época do que sou agora. Também nunca deixei de fazer qualquer coisa em razão do meu peso. Eu fodo de luz acesa, vou à praia de biquini, danço…tenho dificuldade em, sei lá, subir uma ladeira ou fazer uma trilha íngreme, mas isso tem muito a ver com meu sedentarismo (magros também experimentam o mesmo problema).
Pra muitas pessoas, ser feliz sendo gordo e não se importando com a opinião alheia é um absurdo. Como assim você não é bonita (porque gorda no máximo tem “um rostinho bonito e seria uma gata se emagrecesse”), mas mesmo assim é autoconfiante? Que loucura!!! É, pois é. 
Sei também que tem quem deseje controlar o corpo do outro. Fazer decisões sobre como ele aparentar. Parece que se seu parceiro/irmão/filho não for magro, você falhou.
Breaking news: this ain’t about you.
Caso você deseje auxiliar na mudança de estilo de vida, respeite o tempo e as vontades de quem aquela vida pertence. 

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