sexta-feira, 19 de abril de 2013

Gordofobia: nunca chame uma criança de gorda

Gordofobia: nunca chame uma criança de gorda

Mamíferas

Gordofobia: nunca chame uma criança de gorda

Semana passada foi uma semana sufocante. Difícil mesmo. Então no meio da semana eu surtei, saí do trabalho mais cedo, peguei o guri na escola e fui curti-lo, sem preocupar com hora de dormir, hora de jantar, hora de postar. Fomos parar em uma pracinha que, durante a semana, estava quase vazia.
Exceto por outro menino, da mesma idade do Benjamin, e uma moça que o acompanhava. Em Maceió, é difícil ver babás uniformizadas, principalmente no bairro onde moro, portanto eu não teria como saber qual a relação dela com o menino. Por minutos eu a observei empurrar desinteressadamente o balanço dele – cujos pés já alcançavam o chão – até Benjamin decidir se aproximar e fazer um novo amigo.
Balançaram juntos, foram na gangorra e seguiram para o trepa-trepa, brinquedo favorito do meu filho. Logo, ficou bem claro que era a primeira vez do outro menino nesse brinquedo, e a babá – dado confirmado por ela – não parecia muito à vontade com essa nova descoberta. Ela ficava atrás do menino, segurando-o, e quando ele subiu mais alto do que ela alcançava, deu-se o diálogo:
Ela: Tá bom até aí!
Benjamin: Vem amiguinho! Vem até em cima!
Ela: Não vai não, você vai cair.
Ele: Mas o amiguinho está lá em cima!
Ela: É, mas ele é magro e você é gordo.
Por uma fração de segundo, o mundo parou. Pelo menos pareceu parar, porque eu, que estava sentada a uma distância segura, de repente estava ao lado deles sem nem perceber, bufando de raiva.
Benjamin (olhando pra mim): Ele é gordo, é?
*PAUSA PARA O CAFÉ*
Eu nunca fui uma criança gorda. O completo oposto, na verdade, minha mãe costumava referir-se a mim como raquítica. Como vocês podem imaginar, isso também não fez maravilhas pela minha auto-estima. Eu tomava beabá, beebé, beibíotônico fountora TO-DOS OS DIAS. E continuava raquítica.
Aos 15 anos eu já tinha a enorme altura que tenho hoje (1,60), e pesava exíguos 47kg. Aos 15 anos, eu precisei fazer uma cirurgia para remover a vesícula. Eu tive cálculo biliar aos 15 anos. E o que isso tem a ver com a história?
O fato é que ser magra não significa ser saudável. Um dos principais argumentos gordofóbicos é o de que “você precisa emagrecer porque ser gordo não faz bem pra saúde”. Bem, adivinhe só. Eu sou gorda hoje, e nunca fui tão saudável. Poderia ser mais, mas com certeza já fui bem, bem menos.
Claro, sabemos que há um surto de obesidade entre as crianças do Brasil, causado pela industrialização da alimentação, intimamente ligado à publicidade voltada para crianças. Não dá pra fechar os olhos quanto a isso. Mas já diria o documentário, o problema é Muito Além do Peso.
Isso não significa que você não deva se preocupar com a saúde da criança. Conheço um menino que teve episódios de hipertensão aos três anos de idade. Hoje, aos nove, ele está com colesterol alto. Sua alimentação é altamente industrializada e seu estilo de vida extremamente sedentário. Ele está perfeitamente dentro da média de peso para a sua idade, sempre esteve.
Ele bebe mais refrigerante do que eu. Ele bebe mais refrigerante que sua mãe. Desde um ano de idade, esse é um hábito diário na vida dele. E não é o único.
Para mudar os hábitos alimentares de uma criança, é preciso mudar os de toda a família. Eu fico extremamente possessa quando vejo pessoas colocando crianças de dieta e esfregando isso na cara delas.
No ano passado, uma socialite estadunidense publicou um artigo na revista Vogue sobre como colocou sua filha de sete anos em uma dieta estilo Vigilantes do Peso. Dentre as absurdas declarações, o artigo dizia “Houveram momentos esquisitos em festas, quando Bea queria comer, digamos, tanto bolo quanto bolachas, e eu entrava em uma discussão acalorada sobre os porquês de ela não poder.”
Filha, deixa eu te perguntar uma coisa: se na sua casa todos vocês comem de forma saudável, se o exercício faz parte da vida de vocês de forma natural e divertida, qual é o problema da criança comer bolo bolacha na festa?  Apontar isso como errado, destacar esse comportamento, é muito mais prejudicial do que simplesmente deixar rolar.
Dizer “você não pode fazer isso porque você é gordo” é o mesmo que dizer “você não pode fazer isso porque você é branco” ou “você não pode fazer isso porque você é menina”. A gordofobia é um tipo de preconceito tão nocivo quanto silencioso.
Apontar a gordura de uma criança como defeito é acabar com sua auto-estima, criar a ansiedade que leva à comida como válvula de escape, e perpetuar comportamentos auto-destrutivos.
Então se você se preocupa com o peso de uma criança, não a chame de gorda. Crianças são pessoas, e pessoas vêm em todas as cores e tamanhos. Crianças são sensíveis o suficiente para perceber as diferenças entre elas, mas elas não são capazes de fazer juízo de valor quanto a essas diferenças.
À noite, após o episódio do trepa-trepa, eu estava tomando banho com meu filho e perguntei: “Filho, a mamãe é gorda ou magra?” Ele, apertando minha barriga, respondeu, duvidoso: “Magra, ué.”
Ué, não sou. E ele sabe disso, porque já me ouviu falando que era gorda em inúmeras ocasiões. Mas depois de associar a gordura com a incapacidade de subir no trepa-trepa, Benjamin se recusava a aceitar que sua mãe é gorda. Afinal, ela consegue subir no trepa-trepa. Ser gordo é ruim. Sua mãe é tudibom.
*DESPAUSA*
De volta à pracinha: o menino não se mostrou muito afetado por ter sido chamado de gordo. Obviamente não era a primeira vez, e eu gostaria muito de dizer que fiz com que fosse a última. Mas duvido muito.
Benjamin: Ele é gordo, é?
Eu: Ele é mais gordo que você, filho. E o que tem isso? – eu disse, olhando para a moça.
Ela: Ele não vai conseguir subir.
Eu: Solte a roupa dele que você vai ver que ele consegue.
E ele conseguiu. E seus olhos brilharam. E eu vibrei, elogiei. Ao menos naqueles segundos de vitória, ele não se sentiu diminuído por ser gordo. A moça, visivelmente incomodada com a capacidade do menino, uma vez que ele pediria para ir no trepa-trepa todas as vezes que fosse na pracinha, resolveu que era hora de ir pra casa.
- Tchau, amiguinho. E não se esqueça de que você pode fazer qualquer coisa que quiser!
Você só não pode ser gordofóbico. Ainda mais com crianças. Não na minha frente.

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