sexta-feira, 10 de maio de 2013

O corpo é seu, mas seu marido é quem decide

O corpo é seu, mas seu marido é quem decide

Janaina Rochido, jornalista

Estava aqui pensando em como começar esse texto, no qual pretendo comentar uma coisa incrível (no mau sentido) que ouvi da minha médica. Talvez eu deva começar dizendo que essa semana tuitei que estava tendo ataques alternados de feminismo e misantropia – e que descobri que isso tem uma ligação que mais adiante eu tentei relacionar.
Feminismo eu acho que não preciso explicar o que é – já misantropia, caso alguém não saiba, é algo como não gostar de gente. Pois é, confesso que tem dias que eu não gosto de gente. E esses dias eu tenho percebido que não gosto de gente porque constato todo dia que a vida das mulheres é mesmo muito difícil, credo – e todo mundo acaba tendo uma parcela de culpa, seja homem ou mulher. Enfim. Isso foi só um arremedo de prólogo.
Outra coisa que seria interessante dizer – para fins de compreensão total do que eu quero mostrar – é que eu tenho um filho. E, mesmo antes dele nascer, eu já tinha decidido que não queria outro, que seria só ele mesmo e pronto, por vários motivos. Na medida em que o tempo passou e eu vi como funciona a criação de uma criança, a relação mãe/filho e a relação mãe/sociedade, minha crença nisso se consolidou.
Posto isso, ontem fui à minha ginecologista. Como acabei de conhecê-la, tive que passar por um questionário onde expus tudo isso e muito mais sobre mim, inclusive minha enorme preocupação em evitar outra gravidez. Conversa vai, conversa vem, perguntei a ela se eu, solteira, aqui dos meus 31 anos e com um único filho, poderia fazer uma laqueadura (tá, para alguns isso pode parecer loucura, mas eu tenho CERTEZA que não quero mais filhos) e encerrar essa preocupação de vez na minha vida.
E então chegamos ao motivo d’eu vir aqui escrever e estar até agora meio embasbacada.
Você [não é] quem sabe
Você [não é] quem sabe
A médica me disse que EU NÃO PODERIA FAZER UMA LAQUEADURA PORQUE EU PRECISARIA DE UM MARIDO QUE AUTORIZASSE ISSO JUNTO COMIGO. Sim, meu espanto vem em caps lock mesmo.
Não sei você, mas eu não sabia disso. Nunca imaginei. E soltei um profundo “ahn?” quando ela me disse isso.
Repeti a pergunta. E ela me deu a mesma resposta: para fazer uma laqueadura, eu deveria ser casada e MEU MARIDO, junto comigo, deveria assinar uma autorização, que depois deveria ser ENDOSSADA POR TRÊS MÉDICOS para que EU pudesse evitar filhos de forma mais eficaz. E que isso era DETERMINADO PELO GOVERNO, ela não poderia fazer nada.
Questionei de novo: “doutora, espera, acho que não entendi. A senhora está me dizendo que eu, solteira, sã, trabalhadora, maior de idade, só posso decidir que EU não quero mais filhos se EU TIVER UM MARIDO QUE CONCORDE COM ISSO?” – e mais uma vez ela balançou a cabeça.
Fiquei de cara – aliás, estou até agora. Como assim? O corpo é MEU, porque eu não posso decidir SOZINHA sobre uma coisa que diz respeito unicamente a mim, como gerar uma criança? Nem vou entrar aqui no mérito do aborto, porque estou com preguiça de polemizar. Mas sabe, uma laqueadura é uma coisa totalmente inerente à mulher, não envolve nem questões morais, a meu ver. Então como assim? Não dá pra entender que direito é esse que o Estado tem de decidir qual é a hora d’eu não ter mais filhos definitivamente.
Saí do consultório me sentindo um nada. O direito sobre o próprio corpo sempre me pareceu algo muito óbvio, tipo, meu corpo = minhas regras e toda vez que eu percebo que não é assim que funciona, me sinto meio mal. Nunca é muito agradável lembrar que quem manda no meu corpo de mulher, afinal, são o Estado, a Igreja, meu marido(?) e a moral e os bons costumes – menos eu. E descobrir que solteira eu mandomenos ainda não foi nada legal.
Daí voltamos aos meus ataques de feminismo e misantropia essa semana, para fechar o raciocínio. Esse tipo de determinação que diz que você só pode decidir se quer ou não ter mais filhos se tiver um marido pra endossar é feito por GENTE que não pensa que hoje o planejamento familiar envolve novas concepções de família que nem sempre têm a fórmula tradicional pai + mãe + dois filhos + cachorro. Sou solteira e já tenho um filho, não quero mais nenhum – será que é tão difícil assim para essas pessoas entenderem que, para mim, a família está completa? [ok, ainda tem espaço para um “namorido”, depois de rigorosa seleção, rs]
Nessas horas é que a gente vê como é importante que haja o feminismo no mundo. É preciso discutir e contestar certas normas que continuam impedindo que as mulheres sejam donas de si mesmas. De seus corpos. De suas vontades. Tem muita coisa ainda pra fazer, é impressionante. E isso me revolta – me revolta que tenhamos que BRIGAR para uma coisa tão óbvia, como sermos donas dos próprios narizes. Eu não aceito que mandem no meu corpo dessa forma e acho que ninguém deveria aceitar essa tutela imposta e totalmente ignorante da realidade de cada um. Me dá muita raiva ver isso e constatar que muita gente aceita a situação como normal e – pior! – a perpetua, condenando as mulheres que “ousam” questionar.
Bah – eu poderia falar muito mais, mas me faltam bons argumentos. Vamos combinar o seguinte, então: pense no assunto, ok?

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