sábado, 25 de maio de 2013

Texto bacana e necessário:Vadias em marcha, contra o preconceito e a violência

Texto bacana e necessário:Vadias em marcha, contra o preconceito e a violência

ColunasPedro Munhoz - Bhaz

Em 2011, após diversos casos de estupro e abuso sexual de mulheres ocorridos na Universidade de Toronto, a instituição canadense resolveu tomar uma atitude: realizou uma palestra de “conscientização”, onde um policial orientou as estudantes a não se vestirem como “vadias” (no original, sluts) para que não fossem vítimas de estupro.
A palestra gerou revolta entre as estudantes, que enxergaram na fala do policial uma interpretação que transformava as vítimas de um tipo de crime especialmente horrendo em culpadas. Afinal, uma mulher, na tacanha interpretação do infeliz palestrante, seria mais facilmente visada por predadores sexuais e estaria mais suscetível à violência porque ousou usar um tipo de roupa um tantinho mais provocante. Dessa justa indignação, nascia aslutwalk, que chegou ao Brasil com o nome de Marcha das Vadias. Amanhã, dia 25 de maio, ela irá ocorrer em Belo Horizonte, partindo da Praça Rio Branco, às 13 horas, até a Praça da Liberdade.
Marcha Vadias
Foto: Reprodução/Facebook Marcha das Vadias Belo Horizonte
A proposta da marcha é combater a violência contra a mulher invertendo a equação proposta pelo policial de Toronto, que, infelizmente, é bastante comum em nossa sociedade e no tratamento cultural que conferimos ao estupro. As mulheres que participam da marcha usam, muitas vezes, vestimentas que propositalmente exibem seus corpos, com o intuito de transmitir às pessoas a mensagem de que, independentemente dos trajes, da profissão, da vida sexual pregressa, dos gostos pessoais e do estado civil, os culpados pelo estupro são sempre os estupradores e as mulheres, donas que são de seus corpos e de sua sexualidade, tem o direito de se vestirem ou agirem com bem entenderem sem serem ameaçadas pelos fantasmas da violência e do abuso.
Existem muitos argumentos que se posicionam de forma contrária à marcha. Alguns podem parecer, à primeira vista, razoáveis; outros tantos, por serem de um ridículo sem par e por simplesmente reproduzirem os preconceitos sociais incidentes sobre a mulher, muito mais reforçam a necessidade de realização da Marcha das Vadias do que nos levam a pensar sobre a pertinência do movimento.
Entre aqueles argumentos pertencentes à esfera da razoabilidade (os do segundo grupo vão, inevitavelmente, aparecer na caixa de comentários da coluna e podem ser lidos no Facebook ou ouvidos em qualquer boteco ou churrasco de família), o mais comum é o que trata a fala do policial como uma realidade e que considera que a medida sugerida como útil para que as mulheres, de fato, se protejam. Ou seja, pertence ao senso comum a ideia de que quanto menor a roupa de uma mulher, maior é o risco de ela se estuprada. Parece óbvio, não? Mas não é.
Estupros aconteciam no Afeganistão dominado pelo Talibã, aconteciam na Inglaterra vitoriana e podem vitimar, atualmente, mulheres com gostos para vestimentas os mais diversos. Mulher nenhuma, independentemente da roupa que esteja usando, está a salvo de virar estatística e se a hipótese do policial estivesse correta, os índices de crimes sexuais cairiam consideravelmente no inverno e alcançariam o ápice no verão, tal como as epidemias de dengue, por exemplo. Isso não acontece. Porque, então, muitos de nós acreditamos tão piamente nesse argumento?
Marcha Vadias 01
Foto: Reprodução/Facebook Marcha das Vadias Belo Horizonte
Para responder a essa pergunta, talvez devêssemos recuar um ponto e propor uma questão ainda mais básica: o que é mesmo uma “vadia”? Para tanto, assumamos, por um momento que o argumento do palestrante faça sentido, para que possamos delimitar, idealmente, como deve ser uma mulher para que ela não seja estuprada jamais, em nenhuma circunstância, por ninguém.
………………………………………………………………………………………………………………………………….
Certa vez, em uma conversa de boteco, um amigo me deu uma definição que me fez pensar: “um cara normalmente chama uma mulher de vadia ou vagabunda quando ela faz sexo com todo mundo, menos com ele.”
Embora a frase tenha resumido bem um dos muitos lugares comuns de nossa cultura machista, acabei chegando à conclusão de que ela não contemplava todas as situações em que uma mulher é chamada de vadia. Não é difícil, por exemplo, conceber um sujeito que chame uma mulher de vadia porque ela não fez ou faz sexo apenas com ele. Quantos não são os homens que odeiam as mulheres que fazem ou fizeram sexo com outras pessoas, além dele próprio?
Chegamos então a uma definição provisória. Incorporando, para fins didáticos, um eu-lírico machista, podemos dizer que “vadias são mulheres que, ou fazem e fizeram sexo com várias pessoas e não querem fazer comigo ou que, mesmo que façam ou tenham feito sexo comigo, não fazem ou fizeram sexo apenas comigo”. Confuso? Podemos resumir, então, da seguinte maneira: “não é vadia a mulher que só faz ou fez sexo comigo”.
A definição, no entanto, ainda é insuficiente. Já ouvi homens que chamaram de vadias mulheres monogamicamente apaixonada por eles simplesmente porque elas ousavam na cama um pouco mais. Quem nunca ouviu que fulana transa como uma vadia? Para que possamos conciliar todas as concepções sobre mulheres vadias até agora, podemos concluir que “não é vadia a mulher que só faz ou fez sexo comigo, desde que esse sexo seja bastante protocolar e bem comportado”.
Mas podemos ir além. Assim como o palestrante canadense, muitos homens não precisam sequer desejar fazer sexo com uma mulher para identificar se ela é ou não uma vadia: basta olhar para suas roupas. Uma mulher que usa roupas mais curtas é uma vadia também. Não importa muito se ela fez muito, pouco ou nenhum sexo. Ao vestir-se de alguma forma que o homem julgue inadequada, insinuante (ou curiosa e constantemente, as duas coisas), ela se transforma automaticamente em uma vadia, de onde podemos estreitar ainda mais o nosso conceito do que não seria, enfim, uma mulher suscetível ao estupro. Fiquemos, por enquanto, com essa definição:
“não é vadia a mulher que só faz ou fez sexo comigo, desde que esse sexo seja bastante protocolar e bem comportado e que se vista, também, com trajes sempre recatados”.
Bem, temos agora uma imagem mais ou menos padronizada do que não seria vadia.
Há, porém, com essa imagem, um problema grave: os conceitos de recato e de sexo convencional ditado pelos homens são extremamente subjetivos e podem, por isso, variar imensamente. A mesma mulher pode ser perfeitamente “aceitável” para um homem (e logo, imune a estupros, de acordo com a teoria do policial) e, para outro, ser uma vadia por um motivo ou por outro.
Como não podemos saber de antemão que homem seria um estuprador em potencial, as mulheres, no afã de jamais incorporarem em sua maneira de ser ou agir nenhuma gota de vadiagem, deveriam, de acordo com o ideário do tira de Toronto, sempre, tentar ser tão conservadoras na cama e nas vestimentas quanto possível, além de adotarem a monogamia mais estrita como credo desde o começo de sua vida sexual. Simples, não? Basta pensar em um estuprador que seja tão conservador, em matéria de costumes, como um aiatolá iraniano e tentar agir e pensar como ele que você, minha amiga, estaria livre da violência sexual para sempre (caso, obviamente, a teoria do palestrante fizesse algum sentido).
………………………………………………………………………………………………………………………………
Definimos matreiramente o que não seria uma vadia, mas não conseguimos dizer exatamente o que é uma vadia.  Tentemos.
Vadias, por exclusão, seriam mulheres que fazem sexo com quem quiserem, sendo monogamicamente orientadas ou não; que encaram o sexo não como um protocolo universal de reprodução humana, mas também como uma forma de sentir prazer; que se vestem da maneira como bem entendem, e, nesse particular, se deixam guiar mais pelo próprio bem estar do que pela noção cultural do que seria “recato”. Vadias são mulheres tão livres, em suma, quanto os homens sempre foram livres.
Em outra visada, poderiam muito bem ser aquelas mulheres que, mesmo que tentem não ser vadias, não têm aquele grau de recato exigido pela ortodoxia machista de alguns. Lembremos que “recato”, esse lugar social que sempre aprisionou mais mulheres do que homens, pode significar, por exemplo,  que mulheres não podem usar jeans ou não trabalhar “fora”.
Vadias são quase todas ou todas as mulheres, pois não ser vadia, convenhamos, é difícil pra burro.
Marcha Vadias 02
Foto: Reprodução/Facebook Marcha das Vadias Belo Horizonte
Elas são, ao cabo, a realização do ideal de igualdade de gêneros e  sua condição é muito mais realista e estável do que a das “não-vadias”, que, diante de um ato ou fato qualquer, podem se transformar em vadias no juízo de certas pessoas de um segundo para o outro. Você, leitora, pode ser uma vadia na cabeça de alguém. Gostaria que isso pudesse justificar o seu estupro de alguma maneira, em alguma instância?
Não se enganem. Não é por causa do estupro que algumas pessoas desejam ditar a você um modo de vestir, de agir, de ser. O normativismo machista sempre se assentou em bases frágeis demais e em exigências inumanas demais para que fossem fidedignamente seguidas tanto por mulheres quanto por homens e é justamente esse normativismo que o discurso do policial canadense resgata.
Se mulheres com menos roupas fossem de fato mais estupradas, a culpa não seria da pouca roupa ou da mulher que usa pouca roupa: seria e será sempre de quem estupra, por um lado, ou de quem justifica o estupro culpando as vítimas, por outro.
Ser vadia é caminhar contra essa (falta de) lógica de uma cultura que justifica violência e estupro, assumindo que sua dignidade não depende dos preconceitos alheios: ela é um fim em sim mesmo, decorrente da sua humanidade.
Por isso, todo o meu apoio (e minha presença) à Marcha das Vadias. Que a liberdade, ao fim, vença a violência e o preconceito.
Serviço:
Marcha das Vadias BH 2013
Concentração: 25 de maio, 13.00h, na Praça da Rodoviária.
Saída às 14:00h em direção à Praça da Estação, passando pela Rua Guaicurus. Da Praça da Estação, a marcha sobe a rua da Bahia em direção à Praça da Liberdade.
Esquenta:
Oficina ABRAPSO BH – GT Sexualidade e Gênero
Data: 25/05/2013
10:00: roda de conversa sobre violências contra as mulheres
11:30: oficina de cartazes
Local: DA Psicologia PUC São Gabriel.
Oficina de Cartazes para Marcha das Vadias
Data: 25/05/2013
A partir das 10:00
Local: Praça da Rodoviária
Oficina de Cartazes Grupo de Estudos Direito e Feminismo da UFMG
Data: 25/05/2013
A partir das 10:00
Local: Faculdade de Direito da  UFMG Av.  João  Pinheiro,  100, 3 andar (CAAP)
** Pedro Munhoz (@pedromunhoz5) advogado e historiador.

0 comentários: