Rui Martins - Berna - Direto da Redação
Berna (Suiça) - Católicos, evangélicos e
espíritas tramam no Congresso uma nova lei protegendo os embriões, a partir do
encontro do espermatozoide com o óvulo feminino. Será a lei anti-aborto, mesmo
em caso de estupro e de falta de cérebro no feto.
Lembro-me
ter lido, ainda na minha época da CBN, uma crônica do Arnaldo Jabor que,
entrava no ar pouco antes ou pouco depois de mim, chamado ao vivo pelo Heródoto
Barbeiro.
Contava
o cronista, numa linguagem desabrida, lembrando de sua época de internato em
escola de padres, que se sentia como um criminoso ao ejacular depois de se
masturbar e deixar cair no vaso ou no bueiro do chuveiro tantos
espermatozóides, assim impedidos de chegarem a óvulo feminino.
Por
certo, seus professores padres, no louvável afã de impedirem aos seus alunos se
tornarem viciados na punheta, tinham lhes embutido no cérebro a idéia de que
cada um daqueles fiozinhos cabeçudos, disparados cegamente à busca de uma
fecundação, já tinha alma ou espírito.
Assim,
milhões e milhões de almas, em lugar de irem ao céu ou na pior das hipóteses
para o purgatório ou para o inferno, iam diretas para o esgoto. Essa quantidade
vai muito além de milhões, bilhões e trilhões, é preciso se botar muitos zeros
a mais nisso, se somarmos aos espermatozoides do Jabor os dos adolescentes, os
de tantos milhões de homens solitários, solteiros e viciados que se desafogam
diariamente.
Lançar
trilhões de almas perdidas nos esgotos deveria ser um crime hediondo, merecedor
de um castigo divino mais severo que o inferno, a começar pela castração.
Isso,
é claro, se cada espermatozoide na sua trajetória doida e inconsciente tivesse
alma. Se cada um deles já fosse um ser humano. Não é o caso, mesmo porque se
fossem seres humanos deveriam ser todos condenados por concorrência e
brutalidade, pois só um deles, no caso de haver óvulo no final do túnel, é o
premiado com a possibilidade de provocar uma gravidez. É como num acidente de
trem, ônibus, avião ou discoteca, quando só há uma porta des saída.
Esse
pesadelo do Jabor, que já foi e é de tantos adolescentes, não é ainda punido
por lei, mesmo se a masturbação é condenada pelas igrejas. Mas, atenção - se um
desses velozes espermatozoides chegar no óvulo feminino e se iniciar o processo
de fecundação e formação do feto, garantem os religiosos já haver ali uma alma
e ser pecado mortal intervir. E, por isso, tais religiosos são contra qualquer
tipo de aborto, mesmo se a mulher grávida quiser abortar.
Não
importa, segundo eles, se o feto é fruto de um estupro, numa menina por um adulto,
se tem defeitos físicos e se falta ao feto todo ou parte do cérebro. O absurdo
dessa loucura religiosa é de querer criar mesmo uma Bolsa Estupro para a mulher
que não pôde abortar mas cujo filho indesejável foi fruto de violência sexual.
Nessa
tentativa absurda de violência contra a mulher uniram-se representantes
dos três principais ramos religiosos no Brasil, o católico conservador e
reacionário Miguel Martini, o espírita em defesa de almas revoltadas por verem
frustradas sua reencarnação, Luiz Bassuma, e o evangélico Eduardo Cunha,
relator do projeto.
Tenho
lido muitas manifestações de protesto de mulheres e homens e mesmo a
advertência de que devemos nos mobilizar para impedir que a conjugação das
forças religiosas reacionárias acabem com o nosso Estado laico e queiram ditar
padrões de dogmas inspirados em crenças sobrenaturais, que não resistem a uma
análise científica.
Sempre
defendi o direito de todo religioso ter acesso à sua crença, porém, em
contrapartida, os religiosos não podem querem impor à toda população os
preceitos ditados por suas religiões. Se são contra o aborto, que suas mulheres
não abortem, mesmo se forem estupradas por um padre ou pastor ou medium. Não
vamos permitir que se faça no Brasil o que os islamitas estão fazendo nos países
mediterrâneos, depois de roubarem dos jovens a revolução da primavera,
retirando todos os direitos dificilmente conquistados pelas mulheres e criando
um Código penal baseado no Corão.
O mais
estranho é que Jesus, adorado por esses religiosos, teria dito que seu Reino
não é deste mundo. Então, por que seus seguidores querem agora tomar o
Parlamento, governar e editar leis religiosas ? Não lhes basta um Estado de
direito que lhes garante a liberdade de culto, de pregação e mesmo de
conquistar novos seguidores ?
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