sábado, 3 de agosto de 2013

Dilma, estupro, pílula do dia seguinte e os direitos básicos da mulher

Dilma, estupro, pílula do dia seguinte e os direitos básicos da mulher

Por  | Preliminares
Primeiro passo em direção aos direitos da mulher foi dado. (Foto: iStock)
Márcia foi estuprada, a primeira vez, aos 8 anos. O pai achou que, como ela já tinha “corpo de mocinha”, podia. E ela provocava, segundo ele. Andava de um lado para o outro, em casa, de shorts e camiseta, descalça. Abaixava para pegar os brinquedos que o irmão mais novo largava pela casa e deixava a bunda pra cima. Só podia ser provocação.
Aos 10 anos, depois de ser estuprada todos os dias pelo pai, Márcia engravidou. Uma menina de 10 anos, com cara, corpo e mente de criança, carregava em seu ventre outra criança. A mãe de Márcia também estava grávida e teve certeza de que a menina fez aquilo por inveja, para ter o pai mais próximo dela.
Márcia, com 10 anos, apanhou por ter sido estuprada. Apanhou por ter engravidado para provocar a mãe. Márcia não era bonita, não era a mais inteligente ou espirituosa da escola, Márcia queria aparecer, chamar atenção. E por isso foi estuprada. Por isso engravidou, argumentava a mãe.
Márcia não pode abortar porque as leis não deixavam, porque ela não pode ir ao hospital, porque a religião disse que ela devia aprender com aquilo, então teve um bebê aos 10 anos. Um bebê que foi mal tratado pela avó, pelo avô-pai, pela sociedade e que a própria Márcia não sabia bem como deveria tratar. A vida de Márcia acabou aos 10 anos.
Eu não conheço a Márcia, ela, assim desse jeito que contei acima, não existe. Mas existem milhares de outras Márcias com começos, meios ou fins parecidos. A gravidez vinda de um estupro, independente da idade da mulher, marca muito mais do que qualquer outra coisa. É a prova de que aquilo realmente aconteceu.
Essa mulher do texto acima pode ter qualquer idade, qualquer classe social, ser de qualquer religião, ela é sempre vítima. E não é raro o estupro acontecer dentro de casa. De acordo com dados nacionais, 54% dos estupros são cometidos pelos maridos das vítimas e 25% das vítimas de estupro conhecem o agressor pelo nome. Já em relação ao mundo, 20% das mulheres sofrem violência sexual na infância e o UNICEF avalia que uma mulher entre 10 no mundo é vítima de um estupro uma vez em sua vida.
Quando uma mulher é estuprada ela passa pelas mesmas fases que alguém de luto. A primeira delas é se culpar, que pode ser comparada à negação, seguida de raiva, negociação com si mesma, depressão e, aquelas com sorte, chegam a aceitação e resolvem mudar o mundo com seus relatos, lutar por mais dignidade.
Ser mãe é lindo. Mas nem todo mundo precisa, quer ou deve ser mãe. Ninguém quer ter um filho vindo de um estupro. Ninguém quer olhar para uma criança e lembrar da violência, da agressão, do nojo. E muito menos da pessoa que fez aquilo com você. Daquele homem que ultrapassou todos os limites e resolveu tomar para si o que não lhe era de direito.
Todas as Márcias, Reginas, Carolinas, Marianas e Marias do país, todas elas, com suas histórias, suas lutas, seus traumas e medos, merecem respeito. E a lei, sancionada na quinta-feira (1), pela presidenta Dilma é totalmente sobre isso.
Quando uma mulher é estuprada e levada ao hospital, ela toma um coquetel de remédios. Alguns para DSTs e uma pílula do dia seguinte, a mesma vendida em farmácias. O que algumas entidades pretendiam era que a pílula não fosse oferecida, deixando a mulher, assim, refém da lei que está tramitando no governo sobre aborto. É um ciclo que obrigaria a mulher a ter esse filho ou recorrer a um aborto ilegal, que a incriminaria.
O que a presidenta fez foi apenas oficializar algo que já era previsto em portaria do Ministério da Saúde. De acordo com o ministro Alexandre Padilha, desde que a portaria foi publicada, em 2008, houve uma redução de 50% nos casos de abortos legais no País. O que prova a necessidade dessa postura.
O novo projeto também deixa claro que crianças e pessoas com deficiência mental, que não têm como dar ou não consentimento para atividade sexual, também devem ser medicadas.
Esse é um primeiro passo em direção aos direitos da mulher. Os direitos reprodutivos são básicos e ninguém deve interferir neles. A religião não deve se manifestar no âmbito governamental. Ninguém é obrigada a abortar ou a tomar a pílula, é aí que está a liberdade religiosa. O que não pode ser feito é pautar por crenças de uma parcela da população, a liberdade dos demais.
Se baixarmos a cabeça e aceitarmos esse tipo de conduta, o próximo passo é criminalizar o DIU, depois a pílula e então toda a revolução feitas por mulheres terá sido em vão.

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