terça-feira, 15 de julho de 2014

Chora a nossa pátria mãe gentil

Chora a nossa pátria mãe gentil

Por: Mônica Raouf El Bayeh



Chora a nossa pátria mãe gentil. Não por mais uma vergonha da seleção. Nem pelo jogo de com camisa X sem camisa de fundo de quintal que foi a partida contra a Holanda.

A pátria chora porque uma nuvem preta vêm cobrindo, mais uma vez a todos nós. E assustando nossos irmãos. Tirando inocentes de casa, ameaçando, botando fuzil na cara até de menores, deixando recados para os que não são encontrados.

A ditadura voltou ou nunca foi embora? Se o presidente fosse militar, não dizia nada. Mas justo uma presidenta ex- guerrilheira? Que ironia do destino.

Dia 12 de julho de 2014, guarde essa data. No objetivo claro de constranger e intimidar cidadãos que participam de manifestações, a polícia prendeu 38 pessoas. Em uns casos com mandado, em outros nem isso.

Um típico caso de faxina para o final da copa. Numa atitude inconstitucional, aleatória e mal explicada. Pior, a mesma atitude já foi tomada pela polícia no início da copa e a gente nem ficou sabendo.

Para o presidente de Comissão de Direitos Humanos da OAB do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Chalreo, as prisões são inconstitucionais. "As prisões têm caráter intimidatório, sem fundamento legal, e têm nítido viés político, de tom fascista bastante presente. O objetivo é claramente afastar as pessoas dos atos públicos"

O primeiro boletim que eu li sobre o assunto dizia que os manifestantes tiveram suas casas vasculhadas e foram encontrados: celulares, computadores, máscaras de gás, jornais e joelheiras.

Eu pensei, estou ferrada! Tirando a máscara de gás, tenho tudo. Sou a próxima. Deixo, inclusive a dica aqui: minha sogra tem isso tudo na casa dela. Entendeu a deixa? Endereço inbox.

Falando sério, agora. Máscara de gás não é ataque, é defesa. Ataque são as bombas que os manifestantes têm levado na cara. Se levam máscaras de gás é por uma questão de sobrevivência. Aliás, todos deveriam ter uma máscara de gás, já que as bombas têm a capacidade de ir bem longe, até o oitavo andar dos prédios da cidade pessoas passavam mal com o efeito que elas causavam. É crime se proteger?

Provavelmente viram o absurdo da acusação e resolveram incrementar.
Acharam um revolver velho, do pai de um dos acusados com porte de arma vencido. E aumentaram para: armas. Duvido que lendo essa matéria tenha uma só pessoa que não conheça uma criatura completamente inocente que possua arma em casa, a pretexto de se defender de ladrão.

Acharam maconha na casa de um outro. Acrescentaram: drogas. Olha a lista crescendo e ficando perigosa!
Amigos presos, amigos sumindo aqui pra nunca mais. Foi assim que me senti ontem ao ser procurada por várias pessoas pedindo ajuda. E pensei, quantos Amarildos ainda vão sumir com essa história? Até quando tanto desmando? Do fundo de um passado sombrio tenho visto, janela por janela, as paisagens se repetirem. E é com muita angústia por tudo que escrevo aqui agora.

Uma das presas foi a advogada Eloísa Samy, conhecida por trabalhar na defesa das pessoas presas em manifestações. É crime ser advogada? O professor que foi barbaramente arrastado pela polícia nas ruas do RJ também estava na lista e foi preso. Seu crime? Ser arrastado? Ele levou os policiais a lhe arrastarem pelas ruas? É isso?

Fui procurada ontem por educadores ameaçados de prisão. Seu crime? No geral, o crime de um professor é ensinar para que o futuro seja melhor. Ensinar a lutar por uma vida mais digna. Provocar a indignação pelo que não presta. E mostrar que não se acostuma com o que é ruim. Isso agora dá cadeia? Parece que sim.

No jornal da televisão anunciavam a prisão de Black-blocks. A notícia tinha uma função tranquilizadora implícita: a população ficasse tranquila. A cidade já estava limpa para o final da copa. Os malfeitores estavam presos. Nem tudo é o que parece ser. Nem tudo é o que querem que pareça ser.

Luíza Dreyer, a cantora linda de voz esplendorosa que participou do The Voice, está na lista também. Eu torcia por ela, no The Voice. Torço ainda mais agora, para que ganhe mais essa disputa, dessa vez contra o abuso de poder. O crime da Luíza? Protestar. É crime?

As pessoas que entraram em contato comigo não eram malfeitores. Eram professores. Agora sendo caçados, sem mandados. Ou com mandados, tendo seus nomes expostos num PROCURA-SE moderno que antigamente era pregado em árvores. E hoje em dia é rapidamente espalhado em redes sociais.

Está no Facebook, eu li, não sei se é verdade. Mas eu li os presos tentando se defender, falando de terem tido objetos plantados nas investigações. Armas, bombas, coisas que não lhes pertenciam. É praticamente um lenda urbana essa história de que a polícia, a pretexto de inspecionar plantava drogas para acusar as pessoas. 
Nunca aconteceu comigo, nem com ninguém conhecido. Eu aqui não posso afirmar nada. Mas onde há fumaça...

Fico aqui pensando com meus botões: os black blocks que quebravam tudo nas passeatas eram sempre longamente filmados pela imprensa. Porque a imprensa sempre sabia onde eles estavam e a polícia não? Por que não prenderam logo enquanto eles promoviam a quebradeira? Onde ficava a polícia enquanto eles quebravam? Não viam? Não ouviam?

Enquanto educadores são presos, a pretexto de serem bandidos, o bandido que fez a maior roubalheira com os ingressos da FIFA foi solto e já sumiu pela porta de trás. E corruptos são liberados das prisões.

A qualquer pretexto invadem hoje a casa de uma pessoa, sem mandado ou com um mandado sem justificativa, levam preso sei lá até quando. Já se imaginou sendo invadido, caçado, impunemente e sem direito a defesa? Já se imaginou com medo sem nem saber de que ou de quem direito? Imagine! Quem garante que o próximo não será você?

Às vésperas da comemoração da queda da Bastilha, ainda se vê o poder repetindo o mesmo velho esquema de calar quem incomoda. A Bastilha era um depósito de loucos onde os pensadores iam sendo jogados. Porque soltos, eram perigosos.

O jornal acusa os cidadãos presos de plantar o caos. Pensar, questionar é plantar o caos? Pensar é muito perigoso mesmo. O bom pensar de um povo faz cabeças rolarem. Bastilha neles para que tudo fique como está! Voltamos aos tempos dos presos políticos.

Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. A esperança dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar. Azar! A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar (Aldir Blanc e João Bosco).

Foto de Cristina Froment


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