sábado, 8 de novembro de 2014

Um desabafo bem pessoal: Não é a droga que mata, mas o abandono

Um desabafo bem pessoal: Não é a droga que mata, mas o abandono

por Wagner Francesco


Sempre que eu vejo jovens morrendo por envolvimento com drogas eu reflito muito sobre a minha vida, que passo a resumir muito rapidinho:
Fui abandonado por minha mãe quanto eu tinha 3 anos de idade e fui morar com a minha avó materna: uma louca, apaixonada por me bater. Apanhei por boas razões e por razões alguma. Certa feita tomei uma surra – porque eu faltei aula e fui jogar videogame – que até hoje tenho as marcas no rosto (eu tinha 10 anos de idade... – e até hoje brinco com aquele jogo: era o Super Mário World.) Depois desta surra, com o rosto todo machucado de porrada, fui morar com meu pai, que era casado com outra mulher e já tinha duas filhas. Apesar de sempre me dar bem com eles, é estranho cair de paraquedas numa casa já arrumada, né não? Meu pai e eu não nos dávamos bem – e eu, apanhava demais também. Sempre apanhei e esta é minha marca.
Então conheci bons amigos, a chamada “galera do rock”. Os caras pra quem eu me doava e de quem eu recebia doação – e estou falando de doação de carinho. E aí, entre rebeldias e rebeldias, comecei a beber e a experimentar maconha. Fumava maconha como no interior se come arroz, feijão e farinha. E eu bebia até cair e dormir na praça, literalmente. Dormia mesmo e acordava no outro dia. Por isto não era raro ouvir: este aí não vai dar pra o que preste.
Enfim, o tempo passou. Eu ainda mantenho o constante contato com as drogas, mas apenas as lícitas: cervejinha, meu amor. Mas como eu me livrei da vida louca que vivia antes? É simples: carinho, compreensão, acolhimento. Primeiro da Igreja, pois sou um teólogo de tradição Batista. Lá fiz bons amigos. Segundo, de um monte de gente estranha que acreditava que eu tinha potencial e investia em conversas, tentando extrair algo bom que havia em mim, mas estava enterrado bem lá no fundo.
Estou falando isto porque assim como muitos jovens, eu também vivi muito do que estes que estão morrendo viveram. Usei drogas, sim. E muito! A droga poderia me matar aos poucos, mas encontrei pessoas boas que me salvaram rapidamente. Então é por isto que toda vez que eu vejo um jovem usuário morrer por dívida com tráfico, por overdose, eu sempre me sinto culpado. Culpado por não ter acolhido e dado esperança. E procuro nunca julgar o jovem, pois ninguém sabe o que se passou na vida dele. Quem viveu uma vida familiar conturbada como eu vivi aprende a olhar com carinho a situação de quem “se perdeu na vida”.
Talvez nada do que eu esteja dizendo esteja fazendo sentido. É possível que isto esteja acontecendo, pois estou apenas desabafando com tristeza. Dá uma tristeza saber que estes jovens estão indo, mas dá uma alegria saber que eu por pouco não fui. Quero me alegrar sabendo que muitos jovens terão a mesma chance que eu tive.
Quem usa drogas precisa de carinho e não de condenação. E mais: não adianta pedir paz e ser contra a legalização das drogas, pois isto é uma contradição em termos.
No a droga que mata mas o abandono

teólogo e acadêmico de Direito.
Nascido no interior da Bahia, Conceição do Coité, formado em teologia e estudante de Direito. Pesquiso nas áreas da Teologia da Libertação e as obras do Karl Marx e Jacques Lacan aplicadas ao Direito.

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