sábado, 3 de agosto de 2013

Feliciano e o poder baseado na ignorância

Feliciano e o poder baseado na ignorância

Para Entender Direito

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Bancada evangélica critica lei que dá garantia a vítima de estupro

Deputados da bancada evangélica reagiram e atacaram nesta quinta-feira a decisão da presidente Dilma Rousseff (PT) de sancionar, sem vetos, a lei que estabelece garantias à mulher vítima de violência sexual, incluindo a oferta da pílula de emergência e de informação sobre seus direitos ao aborto em caso de gravidez.
As críticas mais pesadas partiram do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Marco Feliciano (PSC-SP). Pelo Twitter, ele afirmou que o "Palácio do Planalto está desorientado ou mal intencionado" para validar o projeto (...)
Como aprovado pelo Congresso Nacional, a lei estabelece garantias para que a mulher seja prontamente atendida na rede pública de saúde nos casos de violência sexual. Determina, por exemplo, a oferta da pílula de emergência (chamada no texto de ‘profilaxia da gravidez’) à vítima e de informações sobre os direitos previstos nestes casos -uma referência à necessidade de informar à mulher o direito ao aborto legal em caso de gravidez decorrente do estupro.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos, a medida amplia as formas de aborto autorizado atualmente pela lei”.

Deixando o debate sobre o aborto de lado (isso é questão de posicionamento pessoal), o Pastor comete alguns erros no que diz:

A lei não autoriza novas possibilidades de aborto. Continuam a existir apenas duas possibilidades: gravidez que põe em risco a vida da gestante e a resultante de estupro. É a essa segunda possibilidade que a lei se refere. Logo, a lei não ampliou as formas de aborto autorizado pela lei.

Além disso, ele erra ao dizer que o governo está incentivando ou mesmo criando novas formas de aborto. O governo está apenas informando às vítimas de estupro que elas têm direitos.

O outro erro é do ponto de vista democrático. Segundo ele, a lei é ruim porque obriga o governo a informar vítimas de estupro a respeito de seus direitos na lei. Por lógica, então, a lei seria boa se obrigasse o governo a esconder informação da vítima.

Garantir a prevalência de um posicionamento na desinformação alheia não é governar baseado nas melhores ideias, mas na falta de conhecimento sobre ideias melhores.

Isso é perigoso em qualquer país, e crítico nas democracias.

Só se constrói uma democracia com base em informações sobre como nossos país funciona e quais são nossos direitos e obrigações. 

Infelizmente, em países carentes de democracia, o simples ato de informar já é uma provocação àqueles que se aproveitam da ignorância alheia para chegar ou permanecer no poder porque, ao informar, estamos dando ao informado a ferramenta mais importante para formular sua própria opinião.

Usando o provérbio de que, para matar a fome, é melhor dar a vara do que o peixe, a vara é a informação, o peixe é a opinião, e a fome é de democracia.

Uma diferença fundamental entre democracia e ditaduras é que os debates no primeiro grupo são feitos por pessoas informadas e com base em dados, enquanto os debates no segundo grupo são feitos por pessoas desinformadas e com base em opiniões alheias.

Se levarmos o que o Pastor disse ao pé da letra, deveríamos acabar com a lei de acesso à informação, os julgamentos públicos, as votações abertas no Congresso, com a lei da ficha limpa, e assim por diante, porque todas essas leis – assim como a lei aprovada ontem – têm exatamente a mesma gênese: dar informação.

Na mesma toada, deveríamos abolir escolas porque, afinal, elas também servem para informar.

A confusão fundamental que o Pastor faz é que informar não significa optar. Ao governo cabe informar a vítima de seus direitos, mas isso não quer dizer que a vítima irá optar por exercê-lo. Muito menos significa que, ao informar, o governo a está induzindo ou a está obrigando a exercer tal direito. Direito não é obrigação. O Pastor, por exemplo, tem o direito de ter um relacionamento homossexual, mas isso não quer dizer que ele irá optar por exercer tal direito. Da mesma forma, a vítima de estupro tem o direito de abortar, mas isso não quer dizer que ela irá fazê-lo. O que não é justo é eles terem tais direitos mas não saberem que os têm.

Se o governo não informa, como é que a vítima de estupro vai saber quais são seus direitos? Ao não saber seus direitos, acabamos com dois cenários: ou a vítima vê seus direitos tolhidos por não saber que os tem, ou ela vai muito além porque não sabe onde eles terminam. Em ambos os casos, democracia, indivíduo e sociedade saem perdendo.


A longo prazo, governar baseado na ignorância alheia é ruim até mesmo para quem se beneficia dessa ignorância porque ele nunca sabe se as pessoas o seguem porque coadunam com seus ideais ou porque desconhecem as outras opções.


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