sábado, 20 de agosto de 2011

....honrar Patrícia é não ser conivente com violência policial....

....honrar Patrícia é não ser conivente com violência policial....


Por Marcelo Semer no Sem Juízo

País não precisa de leis de exceção ou supressão de garantias.   Justiça se faz com juízes independentes, que sejam respeitados, ouvidos, e que tenham condições de resistir tanto a pressões quanto a ameaças



O brutal assassinato da juíza Patrícia Acioli, com vinte e um tiros disparados numa emboscada, ainda vai nos assombrar por muito tempo.

A polícia carioca diz não descartar nenhuma linha de investigação. Descarta apenas o auxílio da Polícia Federal, justamente a menos envolvida com a atividade da vítima, que condenou inúmeros policiais e ex-policiais militares.

Enquanto aguardamos que se descubram executores e mandantes desse crime bárbaro, algumas verdades se põem em destaque com a tragédia.

Embora tivesse sido incluída em uma lista de "marcados para morrer", ela não era destinatária de qualquer tipo de proteção do Poder Judiciário.

A presidência do TJ do Rio de Janeiro se apressou em dizer que a própria juíza havia descartado a segurança ou que nem a havia pedido. Admitiu, todavia, que há quatro anos, o Tribunal decidiu por conta própria reduzir a proteção dela.

Na última entrevista concedida pela juíza ao Jornal "O São Gonçalo", dias antes do homicídio, jornalistas lhe indagavam justamente sobre as conhecidas ameaças de morte e a constante resistência que ela sofria por parte de policiais militares descontentes.

Aparentemente, só a cúpula da justiça carioca não se deu conta de que o perigo prosseguia.

Nesta segunda-feira, cumpriu-se ordem de prisão assinada por Patrícia horas antes de ser assassinada. Versava justamente sobre a forma simulada de execução policial, os famigerados "autos de resistência", comuns na PM, pelos quais, em resumo, a vítima acaba sendo responsabilizada pela própria morte.

Não é muito diferente, aliás, do que vem acontecendo com a juíza, com as menções recorrentes de suas ligações pessoais com agentes da segurança ou insinuações sobre desentendimentos amorosos - como se uma coisa ou outra pudessem justificar a barbaridade a que foi submetida.

O assassinato descortina situações que até então não eram de conhecimento público.

A estrutura oligárquica dos Tribunais de Justiça, por exemplo, que ainda são composto por castas.

A direção é dos desembargadores mais antigos, que estão no topo da pirâmide. Na base, os juízes, a expressiva maioria que não têm voto nas eleições, não têm participação nas escolhas das políticas e pouco são ouvidos em suas próprias carências.

Neste ambiente que ainda não conhece a democracia, não estranha que os juízes tenham tanta dificuldade em sensibilizar o poder, inclusive no que respeita à segurança.

Mas o crime ainda pode nos mostrar mais.

Muito do crescimento do estado paralelo nas polícias tem a ver com o excesso de punição e não propriamente com a impunidade. Supostamente para debelar altos índices de criminalidade, o sistema penal tem se acostumado a fechar os olhos para desvios e exageros da repressão.

Quantos processos por tortura foram julgados nesses quase quinze anos de existência da lei? Raríssimas acusações foram formuladas pelo Ministério Público e ninguém supõe que a violência esteja minguando.

Os fins justificam os meios, dizem alguns; a luta contra a criminalidade exige sacrifícios, afirmam outros, pretextos vazios para justificar a conivência com desmandos.

Enganos que já devíamos ter apreendido com a história - esquadrões da morte nasceram ao redor das polícias e se hoje resistem como grupos organizados de extermínio, bem armados e atuantes, é sinal de que delas jamais se dissociaram por inteiro.

Como bem sintetizou o juiz carioca João Batista Damasceno no dia seguinte ao assassinato: O perigo de se criar cachorros bravos e deixá-los soltos para atacar os indesejáveis aos seus donos é que depois não mais distinguem a quem estão autorizados a morder.

Patrícia Acioli não merece nossa lembrança e nossa homenagem porque "combatia os crimes", mas sim porque os julgava.

Combater o crime é atividade e dever da polícia. Ao juiz cabe julgar, sem hesitação, mas de forma isenta e imparcial, dentro de um processo com todas as garantias.

Honrar a magistrada não é fazer mais do que isso com o fato que a vitimou: nos limites da lei, investigar, acusar e julgar.

Que a sociedade não se iluda com falsas promessas, soluções miraculosas ou qualquer outra forma de paranoia e mistificação.

O país não precisa de leis de exceção, recrudescimento das polícias ou supressão de garantias.

Não é isso que manterá acesa a memória de quem deu a vida para fazer valer o direito.

Justiça se faz com juízes independentes, que sejam respeitados, ouvidos, e que tenham a capacidade de resistir tanto a pressões quanto a ameaças 

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