quinta-feira, 15 de março de 2012

Há muito tempo venho refletindo sobre:Abandonar um filho pode ser a gota d’água em um processo de violência contínuo sofrido pelas mães


Há muito tempo venho refletindo sobre: Abandonar um filho pode ser a gota d’água em um processo de violência contínuo sofrido pelas mães  

Casos recentes de mães que abandonam filhos presos em casa e de recém-nascidos jogados no lixo ou “descartados” nas ruas comovem e até mesmo indignam. É difícil explicar como alguém pode ser capaz de tamanha violência. Afinal, o que leva uma mãe a fazer isso? As possibilidades podem ser várias e culpar apenas a mulher é a forma mais simplista e menos acurada de tratar a questão.

“Em primeiro lugar é bom lembrar que há a questão gravíssima da depressão pós-parto, fenômeno mais comum e mais danoso do que se pensa. E há outros fatores: problemas graves de saúde mental (psicóticos) – muitas mulheres passam a vida inteira sem sequer receber um diagnóstico -, déficit intelectual e um acúmulo de estressores como pobreza extrema, baixa escolaridade, problemas com consumo abusivo de álcool, drogas, viver em comunidades muito violentas”, explica a pesquisadora Lucia Williams, pesquisadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência da Universidade Federal de São Carlos (Laprev/UFSCar).

“Os casos de maus tratos são sempre ocasionados por um conjunto de fatores, geralmente quando os estressores se acumulam em relação aos recursos que a pessoa tem para enfrentar os problemas. Não há um perfil específico, dada à multiplicidade de possibilidades. 

De qualquer forma, seria imprescindível que a houvesse um monitoramento de mulheres em risco, como as assinaladas acima”, completa a pesquisadora.

Mulher não é monstro, mas alguém que não vê alternativa

“No LAPREV atendemos uma mulher que havia enterrado o feto ainda vivo, numa tentativa de aborto, sendo tal fato descoberto. Ela estava arrasada e ao conhecê-la, via-se que era uma pessoa muito sofrida com uma longa história de vitimização por violência e não o “monstro” que poderia aparecer”, conta Willians.

“Essas mulheres não são monstruosas, mas sofredoras. São o resultado de uma sociedade que não oferece uma alternativa. Elas não são más ou querem abandonar suas crianças – é absurdo sequer imaginar que uma mulher vá engravidar com esse objetivo”, comenta a socióloga Maria José Rosado, da equipe do grupo Católicas pelo Direito de Decidir uma organização não governamental que milita, entre outras bandeiras, pela descriminalização do aborto.

No Brasil o aborto é qualificado como crime contra a vida pelo Código Penal Brasileiro, prevendo detenção de 1 a 10 anos, de acordo com a situação. O artigo 128 do Código Penal dispõe que não se pune o crime de aborto quando não há outro meio para salvar a vida da mãe ou quando a gravidez resulta de estupro.

“Um dado claro é o de que em todos os países onde há leis restritivas de punição ou criminalização este tipo de procedimento nunca diminuiu os números de aborto – seja em quais condições forem, ainda que com risco de morte. Ou seja, o aborto existe e é feito, mas a sociedade e o Estado fingem que não acontece. E quando não há a possibilidade de abortar durante a gestação, as mulheres abortam a criança nascida – jogam na lata do lixo, no saco plástico, abandonam”, diz Rosado.

Em 2008, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) realizaram um estudo no qual buscaram definir o perfil de quem faz aborto no Brasil. De acordo com os resultados, 70% das mulheres que abortam tem entre 20 e 29 anos, trabalham, são católicas, tem um parceiro estável e pelo menos um filho – muito similar ao perfil da mãe que abandonou o recém-nascido em Praia Grande , no litoral de São Paulo, um caso de grande repercussão ano passado. Seria então a legalização do aborto a resposta para o fim de casos de violência contra as crianças?

“A pessoa e a família continuariam desestruturadas”, acredita o advogado Osmar Golegã, especialista em direito de família e criminal. “O aborto, neste caso, não seria uma solução. Mas resolveria o estigma social de que as pessoas têm que ficar juntas por causa de uma gravidez”, completa.



Para Lucia, com a legalização do aborto seriam discutidas e aprovadas políticas públicas que ofereceriam à mulher outras possibilidades.

Planejamento familiar e diálogo sobre o próprio futuro

Rosado explica também que a legalidade do aborto traria maior tranquilidade ao diálogo e ao planejamento da família. “Todo o ser humano deveria ser trazido à sociedade numa condição de acolhimento. E há casos em que a gravidez não foi planejada e, neste sentido, é indesejada.”

Rosado explica que, em países onde se tem liberdade de discutir a questão, onde há uma lei que permite à mulher dizer se quer ou não levar a gravidez ao fim, ela tem melhores condições de decidir sobre isso.

“Um exemplo foi de uma mulher que tive contato, casada, que já tinha duas filhas adolescentes e engravidou. Todos os médicos disseram que o bebê nasceria com problemas sérios de saúde. Como ela estava em um país onde se permitia o aborto, ela conversou com as filhas, com o marido e pesaram o que para eles deveria acontecer e se decidiu por manter a gravidez. Mas eles só puderam fazer isso com tranqulidade porque havia a possibilidade caso a decisão fosse a de interromper a gravidez”, conta a socióloga.

Aborto familiar

De acordo com a socióloga Maria José, os homens são totalmente desresponsabilizados destes processos. “Quem foram os homens responsáveis por essas gravidezes sobre as quais depois se fez um aborto e as mulheres foram presas?”, questiona.

No exemplo citado anteriormente, o delegado responsável pelo caso, Flavio Magario, disse à imprensa que a razão do abandono da criança na caçamba foi desespero. “Ela alegou que agiu assim porque o susposto pai da criança demonstrou um certo menosprezo pela gravidez. Somado a isso, ela tem mais três crianças que ela supostamente cuida recebendo um salário de apenas R$ 600”, disse na ocasião.

“Eles [os pais] abortaram antes delas. Não queremos a criminalização, mas maior esclarecimento para que eles também se previnam”, afirma Rosado.

Prevenir – com todos os recursos disponíveis – é o melhor contraponto para esse tipo de violência no momento. Para ela, não faltam apenas políticas públicas voltadas para a prevenção de gravidezes indesejadas, mas também educação.

“Falta a exigência de uma educação sexual nas escolas adequada, bem feita por profissionais capazes. Falta uma distribuição massiva nos postos de saúde e o acompanhamento dos métodos contraceptivos. Não basta colocar à disposição, mas ter profissionais que saibam orientar as pessoas e equipes que acompanhem as mulheres e os homens no uso de anticoncepcionais”, diz.

E por quê? A resposta mais branda seria “tabu”. “São jogos de interesse político que fazem com que o governo se curve à exigências de grupos religiosos e, principalmente, das instituições religiosas como, por exemplo, a Igreja Católica (mas não somente ela). Nosso direitos são trocados à cada eleição por votos”.

“Para pensar no aborto temos que pensar na maternidade. Só quando conseguirmos pensar na maternidade enquanto uma escolha e não como resposta a um destino biológico que obrigam todas as mulheres a serem mães a gente vai entender que o aborto é uma solução e não um problema. O problema é a maternidade num momento inadequado”, finaliza.

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por Marina Teles


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