Observatório da Imprensa
Tradução de Jô Amado, edição de Larriza Thurler. Informações de Mary Elizabeth Williams [“Facebook’s hate speech problem”, Salon, 21/5/13]
Quando três adolescentes da região de Chicago foram acusados, no último fim de semana, de estuprar uma menina de 12 anos – e em seguida postar um vídeo da agressão em suas páginas no Facebook – era uma história tão revoltante quanto plausível. Afinal, você não tem que procurar muito no Facebook para encontrar imagens de mulheres sendo humilhadas ou de grupos que se dedicam a rir da violência contra as mulheres. Mas uma ousada carta aberta ao Facebook, divulgada na terça-feira (21/5), espera mudar isso.
Na carta, Jaclyn Friedman, da entidade Women, Action, & the Media, a escritora Soraya Chemaly e a idealizadora do projeto Everyday Sexism, Laura Bates, e dúzias de outras ativistas e grupos exigem do Facebook que “reconheça o discurso que banaliza ou glorifica a violência contra meninas e mulheres como um discurso de ódio” e que treine seus moderadores para o reconhecerem e removerem. Pede aos usuários do Facebook que “contatem anunciantes cujos anúncios foram publicados ao lado do conteúdo que visa às mulheres pela violência”. É um pedido feito com frequência, mas pode ser que desta vez seja ouvido.
Em apenas nove anos, o Facebook tornou-se parte do cotidiano das vidas de milhões de pessoas. Não há dúvida de que tem uma quantidade assombrosa de conteúdo que se propaga a um ritmo que é impossível acompanhar. O trabalho de moderar comunidades online é um dos mais difíceis e ingratos do universo e as falsificações e adulterações são inúmeras e infatigáveis. Ainda assim, o histórico do Facebook é espantoso.
Mulher é estuprada por gangue
Normalmente, o Facebook trata as mulheres que divulgam imagens de si próprias dando de mamar como, nas palavras da educadora Emma Kwasnica, “pornógrafas”, removendo as fotografias. Apaga as fotos desobreviventes de câncer de mama. Somente quando são desafiados direta e publicamente – ou simplesmente quando os moderadores não compreendem – essas imagens, que nada têm de pornográfico, sobrevivem. No entanto, uma busca fácil irá produzir numa fan page de “saia para cima” a imagem de uma moça que nitidamente deixou sua calcinha em casa. Um rápido exame de uns poucos grupos que existem encontrará inúmeras referências humorísticas a vadias e ao que um punho cerrado pode fazer para endireitá-las.
Muito mais inquietantes, no entanto, são as inúmeras imagens pró-estupro e agressão que aparecem por todo o Facebook – muitas vezes ao lado de anúncios inócuos de livros de áudio e empresas aéreas. Tais como a imagem de uma mulher, em cima de uma pilha de lixo e em baixo de um lance de escadas, com a mensagem “Da próxima vez, não fique grávida” ao lado de um anúncio do Pringles. É por isso que alertar os anunciantes para o contexto em que suas mensagens aparecem é tão crucial. Talvez Pringles não queira ser o aperitivo oficial de cidadãos que jogam mulheres grávidas escada abaixo. Talvez a Duracell não queira carregar o aparelho de gente que “mata putas como você”. Um meme #Fbrape divulgado no Twitter na terça-feira já inspirou um dilúvio de tuítes e algumas possíveis ações prometedoras. Zipcar, por exemplo, prometeu “Não perdoamos o discurso de ódio contra as mulheres. Estamos verificando isto imediatamente.”
Mas o problema é mais profundo que as piadas e imagens sobre estupro e violência, passando para o reino do estupro e violência concretos. Soraya Chemaly, uma das autoras do projeto, disse na terça-feira que no outono passado uma leitora entrou em contato com ela via Facebook e disse-lhe que investigasse algo que encontrara ali postado. “Ela disse que já havia comunicado várias vezes e que a coisa já vinha há bastante tempo”, disse ela. Era um vídeo, de quase sete minutos, de uma mulher que caminhava pela calçada e que é agarrada e estuprada por uma gangue. “Estava no ar há 24 dias e tinha sido visto centenas de vezes”, disse Soraya Chemaly. “É incompreensível como é que pode ter ficado no ar durante tanto tempo.” (Soraya Chemaly também tomou providências e o vídeo foi rapidamente removido.)
Liberdade de expressão não é discurso de ódio
Como destaca Soraya Chemaly, é a seletividade aparentemente aleatória da aplicação do Facebook que irrita. “Tiraram a pintura de John Currin de Bea Arthur e deixam esta porcaria”, diz ela. No meio tempo, “eles criam um ambiente onde o estupro é divertido, onde se pode ter vaidade em fazê-lo”. Um ambiente onde, segundo documentos judiciais, é alarmantemente fácil colocar um vídeo do abuso sexual de uma menina de 12 anos.
As corporações têm algumas obrigações. Liberdade de expressão não é discurso de ódio. Liberdade de expressão nada tem de semelhante com um grupo chamado Estuprando Violentamente Sua Amiga Só pra Diversão. E um ambiente hostil e violento torna o conceito construído em torno da palavra “amigo” apenas uma piada cruel e estúpida. Ou como destacou alguém num comentário à carta, “no Facebook, o ódio por uma minoria religiosa ou étnica leva você a ser banido, mas o ódio por metade da humanidade leva você a ser ‘curtido’”.
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