Discutir projetos para o Brasil é possível, os tucanos querem discutir valores e nós queremos discutir como se acaba com a fome, escola pública, saúde...
O nível da eleição está baixando tanto que, como disse alguém no Twitter, deve ter atingido as placas tectônicas, provocando o terremoto sentido no Centro-Oeste. Não quero fazer aqui uma discussão sobre cultura política, mas apenas pedir, encarecidamente, a todos que acabam adotando uma posição cética neste momento, achando que não faz diferença discutir propostas e candidatos, que tudo se resume a um toma-lá-da-cá, que faça um esforço e entre na discussão. Se mais pessoas com boa vontade quiserem entender quem são os candidatos e o que eles propõem, talvez possamos chegar no que realmente importa. Por exemplo, a visão de país que os dois lados defendem.
Infelizmente, a cordialidade brasileira (entendida no seu sentido sociológico) contribui para que debates e trocas de idéias sejam travados logo no seu nascedouro. Por aqui, é feio, deselegante, até imoral, discutir. Bonito é manter os preconceitos enraizados e bem alimentados dentro do peito. Como conseguir se reconhecer no outro e entender seus sofrimentos (processo fundamental para estender ao outro o direito à dignidade que queremos para nós), se nos fechamos para o mundo nesse momento?
(Desculpe, mas poesia é a melhor forma de trabalhar em um sábado de manhã sem se estressar.) Sempre gostei dos textos que tratam da indiferença, sobre o não fazer nada diante da injustiça, até que, enfim, o observador passivo se torna a vítima. Como o conhecido de Maiakovski:
Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim / E não dizemos nada / Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão / E não dizemos nada / Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta / E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.
Ou o mais conhecido ainda de Niemöller:
Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu / Como não sou judeu, não me incomodei / No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista / Como não sou comunista, não me incomodei / No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico / Como não sou católico, não me incomodei / No quarto dia, vieram e me levaram / já não havia mais ninguém para reclamar…
Imaginei que chegaríamos ao século 21 tendo consolidado direitos civis e políticos e no caminho de consolidar direitos sociais e econômicos. O que vemos é uma onda contrária, de direitos que vêm sendo deglutidos com a velocidade do crescimento econômico. Por enquanto, são as minorias que se lascam com isso – indígenas, comunidades tradicionais, camponeses, homossexuais. Mas os demais não se reconhecem neles, portanto, hoje, não é comigo, que se danem os outros. E quando chegar o amanhã e vierem bater à sua porta?
Não importa em que vocês votam ou o que defendem para o Brasil, participem do debate, exijam de seus candidatos que mostrem as suas propostas políticas, econômicas, sociais sem tergiversar. Nem só de pão vive o homem – mas nem por isso ele deixa de ser importante. Afinal de contas, isso não é um conclave e sim uma eleição presidencial! Não estamos elegendo um pastor ou uma freira e sim um(a) chefe do Poder Executivo para os próximos quatro anos. Que, uma vez eleitos, terão que fazer mais do que ir a culto ou uma missa. E uma boa forma de entender como enxergam essa democracia que terão que defender é ver, por exemplo, como tratam essas minorias.
Lembrando John Donne, poeta inglês, citado em “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway:
Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado / Todo homem é um pedaço de um continente, uma parte da terra / Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa de teus amigos ou a tua própria / A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. / E por isso não perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti.
No momento em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 62 anos, sem que a humanidade tenha conseguido colocá-la em prática como desejado, isso vale uma reflexão. A culpa por esse fracasso é sempre dos outros?
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