Setores conservadores se apropriam de forma oportunista e distorcida do debate sobre o combate à corrupção
Por Lúcia Rodrigues na Caros Amigos
A corrupção virou tema recorrente nos noticiários da dita grande mídia nos últimos meses. Todos os veículos se esforçam para fazer crer que realmente combatem essa chaga que se espalhou pela sociedade e que são os verdadeiros paladinos da ética. Seria cômico se não fosse trágico.
Assim como os corruptos e os corruptores, o quarto poder é uma das peças dessa engrenagem que movimentam a corrupção em nosso país. A corrupção é endêmica ao capitalismo, um não vive sem o outro. E como os donos da grande mídia não propõem uma ruptura com o sistema, conclui-se que o discurso propagandeado em defesa da ética é falso, oco, vazio.
Por isso, o discurso dos comentaristas e o noticiário em geral têm sempre um enfoque moralista, conservador e não revela o que, de fato, está por trás e motiva a corrupção.
Caros Amigos sai da vala comum e leva ao leitor uma visão que realmente explique qual é o elemento causal e irradiador da corrupção que se alastra na sociedade brasileira. Para isso, entrevistou o cientista político Francisco Fonseca, professor do curso de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, o juiz José Henrique Rodrigues Torres, presidente do Conselho Executivo da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), o historiador Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), e o dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores, Valter Pomar.
Qual deve ser a postura da esquerda em relação aos casos de corrupção no sistema capitalista?
Francisco Fonseca - A esquerda necessita olhar o tema da corrupção sob dois ângulos: a luta pelo caráter republicano do Estado e ter clareza quanto à opacidade do Estado brasileiro, o que permite a apropriação dos recursos pelas diversas elites. Nesse sentido, a agenda da esquerda deve ser, ao meu ver: máxima transparência do Estado, por meios diversos, e apoio à participação da sociedade organizada no Estado.
José Henrique Rodrigues Torres – A corrupção tem sido encarada e enfrentada, atualmente, e há muito tempo, no Brasil e, especialmente, no contexto capitalista mundial, sob a égide do neoliberalismo, como um problema de desvio de condutas individuais. E a resposta a essas condutas desviantes, segundo esse discurso dominante, deve ser buscada no âmbito do direito, especialmente do direito penal. Esse é o discurso da direita. Um discurso sedutor, que tem encantado até mesmo a esquerda, que o reproduz. Assim, todas as soluções propostas, tanto pela direita como pela esquerda, são intrassistêmicas e fi cam reduzidas ao âmbito moralista individualizador. Seu objetivo, oculto pela direita e não percebido pela esquerda, é preservar o sistema e, especialmente, sob a ótica neoliberal, transferir o seu controle à iniciativa privada. O corrupto seria, então, um ser imoral ou até mesmo naturalmente amoral, mas o sistema é bom e deve ser preservado. E, como a corrupção seria algo intrínseco ao serviço público, corrupto por natureza, caberia aos setores privados assumir o controle. A direita e a esquerda, assumindo de forma paradoxal um discurso hegemônico, pregam, então, que a corrupção é fruto do desvio moral de condutas individuais e que a impunidade a alimenta. O corrupto é, assim, demonizado em sua individualidade moral e, obviamente, a punição seria a principal solução. Todavia, é preciso lembrar que o direito penal é um forte instrumento de sustentação da estrutura de poder e de controle social. Aliás, é a parte mais repressiva e violenta desse sistema de controle: criminaliza os marginalizados para mantê-los distantes do centro de poder e criminaliza as pessoas dos próprios setores hegemônicos para que sejam mantidos e reafi rmados no seu rol e não realizem condutas prejudiciais aos seus interesses. Tudo é feito, enfi m, com o objetivo de salvar o sistema político e econômico. E o direito penal, no seu processo seletivo de controle social, atinge, primacialmente, os vulneráveis, integrantes dos setores periféricos, ou seja, aqueles que não têm a proteção do sistema, que praticam crimes grotescos e que, por isso, são visibilizados e vulnerabilizados. Mas, há, ainda, aqueles que, posto que integrantes dos setores hegemônicos, praticam também crimes grotescos, o que também os visibiliza e vulnerabiliza. E, fi - nalmente, há aqueles que, por perderem a proteção do sistema, são atingidos também. Aí estão os corruptos. Tem razão Camões: “perdigão que perde a pena, não há mal que não lhe venha”. Enfim, o Sistema Penal, que é essencialmente simbólico e irracional, realiza, na sua atuação pragmática seletiva, um violento controle dos setores marginalizados, possibilita o incremento da faculdade sancionatória arbitrária dos agentes policiais, fomenta a imposição de penas e execuções sem processo e alimenta o conteúdo repressivo e punitivo de ações institucionais que se escondem nos oníricos encantamentos de discursos terapêuticos ou assistenciais. Portanto, é propositadamente falsa a afi rmação de que é possível acabar com a corrupção, adotando-se um sistema punitivo prevencionista, especial ou geral.
Osvaldo Coggiola - Lutar contra o Estado burguês, cuja estrutura é inseparável da corrupção, assim como o crime é inseparável do capitalismo, sendo inclusive uma fonte de lucros para o capital (indústria do seguro, da segurança, etc.), como mostrou Karl Marx n´ ”O Capital”. Por um Estado-Comuna, pelo governo operário e camponês. Mostrar o vínculo entre corrupção, negócios, e acumulação capitalista. O problema é que 99% da esquerda renunciou a essa luta, porque renunciou à luta contra o Estado burguês, considerada “utópica”.
Valter Pomar - Denunciar, combater os efeitos e eliminar as causas. Para o quê se faz necessário entender as raízes da corrupção.
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